O umbigo

Opinião de João Fróis

Estamos umbilicalmente ligados à nossa história, mas diz-nos a mesma que muito do que somos hoje se deve mais a quem olhou menos para o seu umbigo e mais para o mundo lá fora. O mundo padece de excesso de umbigo. O egocentrismo tornou-se viral e o que assistimos é uma dramatização doentia da personalidade virada sobre si mesma. Numa catarse libertadora dos males do mundo onde o outro é a face do demo e numa assunção beatífica das bondades individuais, acima dessa imensa turba de acéfalos consumistas que tudo devoram e destroem.

A missão do legado parece ter acabado. E não havendo um sentido maior de proteção do que é comum, para usufruto dos vindouros, a condenação civilizacional é garantida. É aberrante perceber que cada um se compraz com o seu quinhão e que pouco se parece importar se o vizinho tem o suficiente. Foi com esta deformação ética que nos “serviram” imagens de morte e destruição nos incêndios de Pedrogão Grande, esventraram as vidas alheias de vítimas e exploraram o filão das emoções voláteis para lograrem audiências. O espetáculo tem de ser garantido e mantido quente enquanto dura. Para logo ser substituído por um mais fresco e apelativo. Pelo meio tudo falhou. O planeamento adiado há décadas. O dispendioso SIRESP que falha mais do que acerta. O atendimento aos que pediam salvamento. E os patéticos silêncios, os tiros no pé e as declarações absurdas dos partidos mostraram quão umbilicais são os que nos governam. Olham para dentro e saem a terreiro quando o país literalmente arde.

Para mostrar serviço e missão. Tudo soa a encenação, a circo mediático, a embuste. A clarividência foi de férias para parte incerta e lá vão empurrando com a barriga, o tal do sítio onde está o umbigo. E nestas vistas curtas não se vislumbram trabalhos penosos que mudem de vez o país. A ordenação florestal virá um dia tal como a famosa reforma do Estado, ou seja, nunca. E até lá, ardem eucaliptos e casas, morrem pessoas e morre a compaixão e a solidariedade. Morre o interior e o futuro. E os que mais têm lá vão correndo nos seus bólides, virando a sul sempre que podem e olhando o mundo do alto dos seus luxos. Pelo meio a turbe compete por um lugar ao sol e esperneia por mais coisas que lhe afaguem o ego e calem a desesperança. Portugal é um país de umbigos. Mas a soma não faz nem cria, antes divide e esbulha. E enquanto olharmos a galinha da vizinha e não apenas a nossa, se a tivermos, em nada contribuiremos para o bem comum, continuando narcisicamente dobrados sobre um vazio de eu.

Artigo publicado na edição de julho do Jornal de Cá.

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