Cumprir 40 horas de trabalho semanais na Câmara Municipal do Cartaxo é inconstitucional, diz o acórdão do Tribunal Constitucional, resultante da ação interposta pelo SINTAP à autarquia. Mas o certo é que, se na Câmara Municipal continua a vigorar o horário das 35 horas semanais, em grande parte das Juntas de Freguesia do concelho trabalham-se 40 horas. Porquê?, perguntam os funcionários, que garantem parecer existir funcionários de primeira e funcionários de segunda
O aumento do horário de trabalho na Administração Local continua a dar que falar.
No concelho do Cartaxo, alguns trabalhadores cumprem 40 horas e outros 35. A cumprir 40 horas estão os funcionários da União de Freguesias Cartaxo e Vale da Pinta, e das Juntas de Pontével e Valada. Em Vale da Pedra, os funcionários afetos à Junta de Freguesia cumprem, também, 40 horas, mas os funcionários da escola fazem apenas 35 horas semanais, e em Vila Chã de Ourique apenas dois funcionários fazem 35 horas. Na União de Freguesias Ereira/Lapa, todos os funcionários cumprem 35 horas.
A isto, juntam-se as 35 horas cumpridas pelos funcionários da Câmara Municipal, depois de duas semanas a fazer 40 horas, entretanto revogadas por acórdão do Tribunal Constitucional. Este acórdão declara inconstitucional a ingerência do governo na celebração dos Acordos Coletivos de Entidade Empregadora entre as autarquias e os sindicatos por «violação do princípio da autonomia local, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição».
“Dá a sensação que há funcionários de primeira e funcionários de segunda”, diz uma das funcionárias ouvidas pela nossa reportagem, sob anonimato. Outra das funcionárias refere mesmo que “nós só queremos fazer o que está dentro da lei, mas que estejam todos a fazer a mesma coisa”.
Juntas com horários diferentes
Délio Pereira, presidente da União de Freguesias Cartaxo e Vale da Pinta, explica que os presidentes de junta forma aconselhados pelo presidente da câmara, Pedro Ribeiro, “no início do mandato, quando saiu a lei das 40 horas para a Administração Pública, a adotar as 40 horas semanais. Mas a Câmara Municipal manteve as 35”.
Délio Pereira garante que “não recebemos nenhuma indicação da ANAFRE ou da DGAL nesse sentido. E enquanto não recebermos, vamos manter as 40 horas, porque é a lei geral”.
Em Pontével, os funcionários da Junta também cumprem 40 horas semanais. Uma situação que decorre da lei, garante Jorge Pisca, presidente do executivo da Junta.
No entanto, o autarca admite algum descontentamento dos funcionários, “pela discriminação, uma vez que estamos a falar da mesma entidade empregadora”. Aliás, considera Jorge Pisca, “o horário deveria ser o mesmo para público e privado”.
Por isso, adianta, “isto é uma habilidade de quem nos gere para que não estejamos todos de acordo”, ao mesmo tempo que considera que “não é por termos mais cinco horas de trabalho que somos mais produtivos. Temos é que ter uma mentalidade diferente, para produzir o mesmo em menos tempo, em 35 horas”.
E se a motivação e a alegria no trabalho são meio-caminho andado para essa produtividade, Jorge Pisca questiona “como é que vou motivar as pessoas se elas andam descontentes?”.
Em Vila Chã de Ourique existem dois funcionários a cumprir 35 horas de trabalho. E porquê? Porque, apesar de estarem a desempenhar funções na Junta de Freguesia, são funcionários da Câmara Municipal. Os restantes trabalham 40 horas por semana, “que era o horário que existia quando tomámos posse, e mantivemo-lo”, esclarece Carlos Albuquerque, tesoureiro da Junta de Vila Chã de Ourique.
Situação igualmente caricata é a que se vive na freguesia de Vale da Pedra. Aqui, os funcionários da Junta fazem 40 horas semanais, à exceção de duas funcionárias. Estas duas funcionárias estão a desempenhar funções de auxiliares de ação educativa na escola e Jardim de Infância, que estão na alçada da Câmara Municipal e, por isso, fazem o horário dos trabalhadores municipais, ou seja, 35 horas. “O que está profundamente errado e tem de ser revisto rapidamente”, diz José Belo, presidente do executivo. O autarca acrescenta que “depois do acórdão do Tribunal Constitucional, vamos ter de olhar para isto e decidir, repensar e tomar uma decisão conjunta” de presidentes de Junta.
Até porque esta situação “acaba sempre por causar constrangimentos, porque há duas que são da Junta e estão a trabalhar menos uma hora por dia. Não vale a pena andar a fazer os funcionários trabalharem 40 horas. Independentemente da decisão dos meus colegas presidentes de Junta, penso que vamos voltar às 35 horas”, remata José Belo.
A União de Freguesias Ereira/Lapa optou pelo horário das 35 horas semanais.
Apesar de os presidentes de junta terem sido aconselhados, no início do mandato, a adotar as 40 horas de trabalho, “a nossa posição de princípio foi sempre que, tendo em conta que tínhamos trabalhadores da Câmara Municipal destacados na União de Freguesias, praticaríamos sempre os horários da Câmara Municipal. E é isso que temos feito”, explica Fernando Ribeiro, presidente da União de Freguesias Ereira/Lapa.
Finalmente, em Valada, os funcionários também estão a fazer 40 horas por semana. Manuel Fabiano, presidente da Junta, salienta que esta é a lei geral, ao mesmo tempo que adianta que os presidentes de Junta do concelho do Cartaxo vão reunir para discutir esta questão e encontrar um horário comum a todas as juntas.
Até porque “não faz sentido haver pessoas a fazer 40 horas e outras 35”, considera.
A reunião estava marcada para esta quarta-feira, dia de fecho do Jornal de Cá, o que não nos permitiu dar conta dos resultados da mesma aos leitores.
Funcionários da Secundária descontentes
Esta situação está a afetar, igualmente, as escolas, com a EB 2,3 Marcelino Mesquita e as escolas de 1º ciclo do Agrupamento a cumprirem 35 horas de trabalho, por pertencerem à autarquia, e a Escola Secundária do Cartaxo, sob a alçada do Ministério da Educação, a cumprir 40 horas semanais.
Paulo Vila, representante do pessoal, refere que há descontentamento, porque “somos todos do mesmo Agrupamento. É mais uma lei ridícula”. Este responsável acrescenta que existem dois funcionários na Secundária afetos à Câmara Municipal, que vão, possivelmente, passar a cumprir as 35 horas, embora “a última palavra pertença ao Diretor” do Agrupamento. “Eles não têm culpa, mas fazem cinco horas a menos por semana, 20 horas a menos por mês. E isso, ao final do ano, faz diferença”, nomeadamente ao nível das remunerações, salienta Paulo Vila.
Harmonização precisa-se
O presidente do município, Pedro Ribeiro, começa por explicar que a ação do SINTAP foi interposta exclusivamente em relação aos horários da Câmara Municipal, não se referindo às Juntas de Freguesia. Esta ação obrigou a que todo o processo voltasse ao ponto inicial, dadas as alterações legislativas entretanto introduzidas. Além disso, “esta é uma medida FAM (Fundo de Apoio Municipal), a que as juntas não estão vinculadas”, explica Pedro Ribeiro.
O autarca defende que “deveria existir um só horário de trabalho, em regime geral, para a Administração Pública”, acrescentando que “deve-se trabalhar para harmonizar os horários de trabalho entre o público e o privado, bem como para a harmonização dos salários”.
No que respeita à produtividade dos trabalhadores na hora que trabalham a mais diariamente, o autarca salienta que “nos serviços de apoio à população, é mais uma hora que estão a trabalhar. No que respeita à contenção da dívida, poderá vir a ter algum impacto positivo”, remata.