A arrogância lusitana

Por João Fróis

Júlio César (100-44 a.C.), terá afirmado “há nos confins da ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”.  Espírito guerreiro, mas falta de coesão e unidade eram os traços distintivos desse povo de outrora. Muitos séculos passados, onde a vontade indómita da independência e da sua dura manutenção e a expansão marítima depois, nos guindaram a visões mirificas da nossa identidade, a lenta decadência após o ouro do Brasil e a expulsão dos judeus pelo marquês de Pombal, trouxe-nos até hoje sem o crescimento e transformação de uma revolução industrial que nunca tivemos. Mantidos fora dos estilhaços sangrentos da 2ª guerra mundial, vivemos numa bolha até sermos incluídos no pelotão economicista da vaga unionista da velha europa em ressaca. Os lampejos da libertação do jugo fascista levaram a uma embriaguez coletiva que mais não fez que, sob a capa salvífica da democracia, ir entregando o poder a quem a ele se propunha. Nesta senda e passados praticamente 50 anos sobre a nossa revolução aveludada, temos vivido mais pesadelos que sonhos, num carrossel de bancarrotas e tentativas pífias de acompanhar o comboio europeu.

Aqui chegados, vivemos dias de espanto e incredulidade perante o desmoronar da democracia aos olhos de todos. O poder está em implosão lenta e ameaça arrastar-nos para uma espiral recessiva sem paralelo na nossa jovem democracia. Os tiques autoritários são tão evidentes que só mesmo os escândalos sucessivos do interminável dossier da TAP os deixam na sombra. Assistimos a episódios surreais de membros do governo em querelas absurdas em que se percebe que a verdade está ferida de morte e a mentira se tornou a pedra de toque da governação. Vemos homens com atitudes de garotos e disputas que apenas seriam aceitáveis no recreio escolar, mas nunca num governo de uma nação. O impensável está a acontecer diante de todos nós, mas o primeiro-ministro continua fechado sobre a sua boçal arrogância, desvalorizando o que já é insuportável e insistindo na manutenção do poder contra tudo e todos, manobrando para se perpetuar na condução de um governo que verdadeiramente já não existe.

Margaret Thatcher, a dama de ferro inglesa, afirmava “a democracia não é um sistema feito para garantir que os melhores sejam eleitos, mas para impedir que os ruis fiquem para sempre”. Infelizmente os ruins ainda assim ficam tempo a mais e Portugal tem sofrido e caucionado o seu futuro por ter entregue vezes a mais o poder a incompetentes.

Ora aqui levanta-se a questão, será que a democracia nos serve ou está a propiciar que alguns se sirvam do que ela permite?

Ideal ou utopicamente seriam os mais capazes a governar, mas a velha história volta a lembrar que desde o início da democracia em Atenas que a ascensão ao poder se reveste de interesses e jogos de bastidores e que mesmo cumprindo as regras instituídas se torna demasiado fácil promover o nepotismo, a filiação e a influência. Na democracia, sob o manto salvador do sistema eleitoral, os partidos assumiram uma importância desmesurada e que propiciou um desvirtuar do mérito e a escolha por razões que pouco têm a ver com competência e preparação para o bom desempenho da função.

Entramos aqui num campo onde fui desenvolvendo ao longo do tempo uma particular aversão à lógica dos partidos. Estou muito à vontade para abordar o tema pois nunca fui filiado em nenhum partido e mesmo tendo as minhas convicções ideológicas, nunca me impus uma qualquer cegueira em nome de uma bandeira.

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Afinal assistimos a uma degradação na captação dos melhores perfis, cada vez mais distanciados do exercício político, e uma evidente falta de capacidade e preparação para lidar com as exigências próprias da governação e da tomada de decisões fulcrais. E afinal porque acontece tal fenómeno? No mundo privado, empresarial, onde sempre trabalhei, a lógica prevalente é a da competência, do reconhecimento e mérito na obtenção dos resultados a que se propõem. Nem sempre os mais capazes são quem lidera é certo, principalmente devido à pequena dimensão das nossas empresas e à lenta renovação dos quadros. Mas nas multinacionais há muito que a exigência é transversal e a avaliação é regular e parte do desenvolvimento pessoal e profissional. A confiança traduz-se na perceção de que são os mais capazes e preparados que lideram e orientam para o sucesso e para o bem comum.

Ora no exercício político não é isso que sucede. Vemos vezes a mais membros partidários sem qualquer experiência no mercado de trabalho a ascender na hierarquia interna, sendo depois nomeados para posições elegíveis. Temos assim um sistema que permite que alguém sem preparação e conhecimentos venha a estar à frente de um pelouro para o qual manifestamente não tem nem perfil, nem capacitação técnica e muito menos a sabedoria da experiência que não teve. Basta atentar ao que se passou na troca de mensagens de whatsapp entre assessores do ministro das infraestruturas e a CEO da TAP, tratando assuntos de máxima relevância com uma ligeireza e até leviandade absurdas e incompreensíveis à luz dos superiores interesses do estado e do seu bom nome e da defesa do dinheiro dos contribuintes. A velha tática de literalmente despejar dinheiro para cima dos problemas, como se miraculosamente os resolvesse, mostrou não só ser totalmente ineficaz como absolutamente condenável. Num país com enormes problemas na habitação e nos preços elevadíssimos das rendas e prestações hipotecárias, com o SNS a ser sangrado sem apelo e deixar cada vez mais pessoas sem assistência médica, com a classe docente em convulsão devido à degradação das carreiras, uma justiça lenta e inoperante e uma inflação asfixiante, perceber que milhares de milhões de euros são atirados sobre a fogueira em que a transportadora aérea se tornou sob os comandos da gestão pública, é revoltante e inaceitável. Um país que não gera riqueza suficiente para garantir um futuro aos jovens, dificilmente se pode dar ao luxo de ter uma companhia de bandeira só porque o entendimento ideológico assim o ditou.

Sem mais delongas defendo uma revisão profunda do sistema eleitoral, com a introdução dos círculos uninominais, garantindo a proporcionalidade da escolha dos eleitores, aumentando a representatividade e a responsabilização do ato público. No fundo haver um rosto que os eleitores conhecem e escolhem e que é mandatado para defender os interesses regionais e nacionais, sendo responsabilizado diretamente pela sua ação política.

Mas vou ainda mais longe. A assembleia eleita manteria a responsabilidade de elaboração legislativa e teria a responsabilidade de nomear uma direção executiva, com exercícios anuais renováveis com um limite de 3 mandatos, e que seria muito bem paga para gerir um caderno de encargos com as prioridades bem definidas, entre elas criar as condições de atração de investimento, aumentar a produção de qualidade em áreas estratégicas como a energia, assegurar um sistema de educação moderno e atrativo para as novas gerações e intimamente ligado ao setor empresarial, gerir o SNS com rigor e de modo a manter os melhores profissionais em boa articulação com o setor privado, reformar a justiça e torná-la no que sempre deveria ter sido, célere e eficiente, defensora da lei e dos direitos e garantias constitucionais. Como trave mestra inegociável, a assembleia teria a incumbência de definir as reformas estruturantes na economia e setor social e elaborar planos para 20 anos e que as comissões executivas teriam de assegurar e respeitar em primeira instância. Desta forma terminavam os ciclos nefastos de faz e desfaz que a alternância partidária promove e que é altamente lesiva da implementação das decisões que não se compadecem com avanços e recuos. O exemplo do novo aeroporto de Lisboa é disso um lamentável exemplo, arrastando-se por 50 longos anos e sem um fim à vista. Pelo meio foram gastos milhões em consultorias que apenas engordaram as contas bancárias de alguns, emagrecendo o erário público em vão.

Urge mudar esta (i)lógica em que vivemos. Sei que muitos pensam diferente, que acham absurdo pensar numa gestão público-privada da governação, mas uma coisa é certa, o sistema em que temos vivido tem sido medíocre e resultou num país sem rumo, sem economia capaz e sem futuro. Estamos a ser ultrapassados por pequenos países que entraram na União Europeia bem depois de nós, mas quem ouvir os nossos governantes fica com a sensação de que somos os melhores e estamos no pelotão da frente. Puro engano, esta demagogia da falsidade tem de ter um fim. Sob pena de os cada vez menos jovens que nascem em Portugal terem como única opção emigrar, ficando por cá os reformados e dependentes do estado. Lamento a crueza, mas a realidade não permite filtros. A habitual arrogância dos nossos agentes políticos tem de acabar e, de uma vez por todas, os interesses nacionais têm de ser colocados no topo das prioridades, apeando os pequenos grandes interesses, que independentemente das cores que vestem, nada têm trazido de bom ao país. Ainda há futuro para Portugal??

Isuvol
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