Que o mundo anda às avessas já sabemos. As evidências são imensas e diárias. O clima enlouqueceu e num dia é verão e no seguinte veste-se inverneiro. A economia está em palpos de aranha e a política entregue ao populismo barato e demagógico. E, no meio de tudo isto, as pessoas andam em caótico frenesim, entre a sobrevivência e a vertigem de um qualquer euromilhões que as salve. Mas a incerteza e medos que a economia gera são meninos de coro perante a falência emocional e ética a que assistimos dentro de portas, nas gerações que nos devem renovar e lutar por um futuro possível.
A mais recente polémica que nos chega pela janela digital traz uma roupagem bonita, com o nome inofensivo do maior animal que ainda vive neste planeta em colapso iminente. E para mais dourar a pílula da ignorância, mascara-se de jogo, tornando-se atrativa às gerações de adolescentes que vivem cada vez mais através dos écrans luminescentes dos seus aparelhos high-tech.
Suspeita-se ter sido criada na Rússia, o país da roleta que torna a vida menos que um jogo. E afinal que baleia é esta? De jogo nada tem pois não é nem lúdica e muito menos inofensiva. E da conhecida mansidão do enorme cetáceo também nada ostenta. Antes mostra as garras do inferno, propondo o sofrimento e a dor e no fim de tudo isto, a morte.
Esta aparente aberração aos olhos de pessoas comuns surge sinistramente apelativa a muitos jovens por esse mundo fora e já se vão conhecendo dezenas de casos de mutilações e mortes induzidas por esta nova forma de terrorismo. A capacidade de fazer o mal continua a surpreender-nos na besta humana! E a fraqueza de caráter e inerente sedução por messiânicas propostas seguem nas suas negras asas de abutre, sempre a cheirar a morte.
Ainda vamos tentando entender os porquês de homens se suicidarem vestidos de bombas, em nome de uma qualquer religião ou seita, entregando as suas vidas em prol de objetivos dificilmente compreensíveis ou aceitáveis. Lutar todos podemos e devemos, mas dentro do espírito de liberdade e respeito pela ética que lhe subjaz. É este osso condutor e estruturante que nos diferencia da bestialização macabra. Professar a morte como móbil desta vida terrena é ignóbil e profundamente triste e redutor. Vê-lo agora chegar pela imensa montra mundial que a todos serve e aprisiona deixa-nos, além de incrédulos, eticamente despedaçados pela inquietação e pelo medo do colapso do legado que não estamos a saber fazer às novas gerações.
Se um qualquer adolescente se deixa seduzir por um sinistro mentor que lhe propõe matar-se, a troco de nada, devemos todos sentirmo-nos falhados e despidos da humanidade que dizemos defender. Se esse adolescente não sabe discernir a vida e a morte e não tem uma estrutura moral e ética firmes e bem implantadas na sua essência, então algo de muito grave aconteceu no seu crescimento. E não sendo apenas um, mas potencialmente centenas ou mais, que ensinamentos devemos desde já retirar desta macabra ocorrência?
Eu arrisco alguns. Não estamos, enquanto sociedade, a saber criar modelos sociais e éticos capazes e objetivamente eficazes na formação dos nossos jovens. Estamos a entregar à tecnologia a ocupação maior dos seus tempos livres com todos os perigos e vícios que isso acarreta. A educação como valor familiar estruturante está em colapso, gerando jovens sem referências fortes, sem apreensão dos limites e regras essenciais e sem respeito pelo próximo e pelos vistos, pela própria vida.
Continuamos entregues a modelos aberrantes de competição desenfreada sem perceber os males que essa vertigem traz consigo a nível emocional e na visão do indivíduo face a um mundo entregue ao caos.
E sendo algo ainda relativamente novo, estamos a entregar as nossas vidas a um mundo virtual e digital do qual não sabemos verdadeiramente nem a dimensão nem os perigos que encerra dentro de si. Esta “baleia” dita azul mas que é negra e fede a morte é na verdade assassina. E consegue matar e causar sofrimento ao retardador e onde menos se espera. E faz-nos pensar que para lá do infelizmente já usual terrorismo, existe muita maldade pronta a fazer despoletar o pior de si e a que nos habituámos a simbolizar nas profundezas do Inferno. Qualquer anónimo utilizador da imensa internet pode ser uma arma letal à distância. Despertando para uma missão há muito planeada com uma mensagem mais ou menos encriptada, deixando-se seduzir por pretensos estados novos, sejam eles islâmicos ou de qualquer outra fação radical ou tão “simplesmente”, percebendo a força que esta rede tem e promove junto de milhões, a usa para diabolizar os seus fantasmas e dar azo a sentimentos obscuros de vingança ou tão só de desprezo pelos que estão do outro lado e cativos de algo novo, que os faça despertar e acreditar em algo!
Desejo e antevejo que o futuro da Internet vá ser muito diferente. E que todos os episódios recentes do seu mau uso a vão obrigar a ser mais restrita e controlada. Uma vez mais, a segurança e os seus ditames obrigarão a fazer ceder a liberdade, mas face aos sucessivos e aberrantes exemplos de bestialidade e perigo não se perspetivam outros cenários.
Antes que uma qualquer baleia nos engula e nos aprisione não numa ficção em modos Moby Dick, mas numa negra e insondável descida aos infernos da condição humana. Acordemos, pois esta realidade é mais obscura que muitos pesadelos.