A caverna

Opinião de João Fróis

O filósofo da antiga Grécia, Platão, analisou a influência da educação na natureza humana na sua obra “a Republica”, onde na famosa alegoria da caverna questionou a perceção do mundo à nossa volta.

Na observação de um grupo de pessoas acorrentadas desde a infância e voltadas para uma parede, incapazes de se verem ou aos demais, Platão registou a forma como identificaram as sombras dos objetos que o fogo projetava na parede vazia à sua frente e iam assim construindo um ideário irreal sobre a verdadeira natureza do que acontecia para lá do que viam, uma vez que não conheciam sequer os homens por detrás dos sons e sombras que julgavam ser a realidade. O filósofo perguntou então como seriam estas pessoas se estivessem libertas das amarras e pudessem conhecer o mundo e as pessoas que o habitam?

Estes tempos de absurdo virtual em que as novas gerações estão a crescer, trazem de volta o mito que esta alegoria traduz. Os jovens estão essencialmente a conhecer o mundo através da internet e das suas múltiplas janelas digitais onde “tudo” acontece à velocidade da luz, construindo uma perceção questionável sobre tudo o que os rodeia. Tal como os acorrentados da caverna, apenas veem sombras, por mais luminosas e atraentes que sejam, não distinguindo a pessoa real que vislumbram de um qualquer avatar de um jogo de última geração. A velocidade atropela o raciocínio e não permite o distanciamento para a reflexão. O imediatismo é a nova adição, o estupefaciente que mais alucina e que chega a todos sem filtros nem barreiras. A utopia de um mundo sem freio, a ilha da liberdade absoluta parece chegar pelas asas de gadgets sofisticados, vídeos em catadupa e a normalização da excentricidade sem barreiras, em nome da aceitação em forma de likes.

Pelo meio perdeu-se o contacto humano, a construção da identidade no seio do grupo, a experimentação do erro, da frustração, da diferença, o crescimento que só o pensamento reflexivo permite. Morrem as ideias e vingam as imagens, as frases feitas, os slogans baratos e de consumo rápido, as modas que apenas duram dias, menos que uma mariposa.

E lá fora a estúpida da guerra vai dilacerando o mundo, impunemente, e a turba vive fechada na satisfação das suas pequenas taras e manias, entre objetos e futilidades, sem denotar a mínima preocupação com o futuro do mundo. O abismo avizinha-se, o clima escalda e afronta, os bens escasseiam mas as necessidades imediatas cegam e matam o valor do legado e a contribuição individual para um mundo senão melhor, pelos menos, viável. A isto chegámos em poucas décadas, quantas mais iremos conseguir sobreviver neste inferno que criámos é a pergunta sem resposta. Que diria Platão?

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*Artigo publicado na edição de julho do Jornal de Cá.

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