Crónica de José Caria Luís
À semelhança do fluxo de jovens do concelho, saído da terra e entrado na Força Aérea nos anos 60, também nas décadas de 70 e 80 se verificou o êxodo de algumas franjas da população, só que, neste caso, para o estrangeiro, mais propriamente para Marrocos. Esporadicamente, aqui e ali, de modo individual, sempre houve alguém a sair para tentar a sorte no estrangeiro, mas em grupo e a termo era coisa rara.
Tudo começou em 1976, quando, após concurso internacional, foi adjudicada à empresa Construções Técnicas, S.A.R.L, a construção da Fábrica de Cimento de Oujda – Cimenterie de l’Oriental – em Marrocos. Sendo eu empregado da dita empresa há 10 anos, fui convidado a fazer parte da equipa técnica destacada para o dito empreendimento, onde cheguei em outubro de 1976.
No que concernia a mão-de-obra, o rácio inicial acordado entre o governo marroquino, o projetista/fiscalização da Oscar Faber & Partners UK e as C.T., era de 1 para 5. Seja: 1 operário português para cada 5 marroquinos. Ora, sem qualquer espécie de chauvinismo, diria que aquela relação era mais romântica do que real. Na verdade, numa obra de grande envergadura, com prazos fixos, num Plano de Trabalhos relativamente apertado, em cujo planeamento se estimava que a carga de mão-de-obra entre artífices e auxiliares atingisse um total de 1500, seria de todo impensável contarmos com o contributo de cerca de 1250 nativos. Pelo que se viu logo no início, a esmagadora maioria dos candidatos chegados à obra era composta por pastores, tosquiadores, agricultores e contrabandistas, mas tudo menos daquilo de que necessitávamos, que era gente da construção civil, inclusive mecânicos, soldadores, serralheiros, manobradores e condutores. Se o cenário inicial fosse mantido, estou em crer que ainda hoje a dita não tinha sido inaugurada. Negociações alicerçadas em tal facto, levaram a que, primeiro com um rácio de 1:3 e, mais tarde, de 1:2, o número de portugueses aumentasse exponencialmente em poucos meses.
Mas a tarefa de angariação de mão-de-obra portuguesa não se afigurava tão fácil como a princípio se supunha. Por isso, no sentido de ajudar a amenizar tal lacuna, mesmo não sendo minhas tais atribuições, tentei convencer alguns conterrâneos a marchar até ao Magreb, indicando-os aos Serviços de Recrutamento da empresa em Lisboa. E foi assim que, de modo faseado, foram surgindo alguns valedapintenses por terras de Hassan II. Mas mais e mais portugueses, das mais variadas latitudes, chegavam todas as semanas a Oujda.
Perfilhando a genética lusa, a adaptação de todos eles a esta zona oriental de Marrocos foi fácil e rápida. O alojamento era bom. Comes e bebes havia com abundância no refeitório da obra; a ementa, bastante variada, até metia carne de porco, vinho e bagaceira, tudo à fartura, ainda que isso contrariasse a religião muçulmana, mas, ali, quem mandava eram os tugas. Aos fins de semana era ver os autocarros, cedidos pela empresa, a transportar toda aquela malta para a cidade de Oujda, no inverno, e Praia de Saidia, no verão. Era uma boa maneira de desanuviar o corpo e a mente, como se verá.
*Artigo publicado na edição de janeiro do Jornal de Cá.