A cruzada concelhia em Marrocos (II)

Crónica de José Caria Luís

Oujda, cidade marroquina com cerca de meio milhão de habitantes, onde havia de tudo, para todos os gostos, distava cerca de 40 km do empreendimento fabril.

Depois da chegada dos autocarros à cidade, cada qual tomava o seu rumo, já que havia gostos para tudo, e amigo não empatava amigo. Se bem que houvesse alguns finórios que depressa se escapuliam do grupo, não se sabendo se estariam por alguma das 12 mesquitas que havia em Oujda, meditando e orando a Alá, o certo é que os fulanos só voltavam a ser vistos à hora da partida do autocarro, pelas 23h. Outros, os curiosos, entravam na Medina e corriam todas as tendas, observando, regateando e mercando calças tipo jeans e casacos de couro, puro couro, ao preço da uva mijona, que, na vinda à santa terrinha, em vacances, eram vendidos, a bom preço, aos seus vizinhos e amigos. Havia outros que se metiam numa baiuca, e, apesar de o consumo de álcool ser proibido no país – dá mesmo prisão -, era tudo bebido em ambiente recatado, no reservado.

Realmente, que eu saiba, nunca ninguém esteve, um minuto que fosse, atrás das grades. Eles só de lá saíam quando eram postos na rua, devido ao adiantado da hora. Saíam toldados da mona e do andar, cambaleando aqui e ali. Mas os poucos que iam ao futebol – o Mouloudia Club Oujda militava na I divisão – faziam um brutal sacrifício devido à lei-seca que imperava no Estádio.

Era ver as cenas cómicas que os tugas proporcionavam aos circunstantes, entre barreiras, nas cerradas filas para entrar no recinto. Consoante as ordens do fiscal, o pessoal avançava ou parava, conforme o caso. Agora, chegava a vez de três bacanos tugas que, à voz de comando do homem do braçal: – Passe pas! – deram em empurrar os da frente, com sofreguidão. Mas o fiscal, em tom agreste, insiste:- Passe pas! – Então, o mais espevitado dos tugas retorquiu: – Mas o messieur está a mandar passar… é para avançar, não é?

Uma comédia dos diabos. Mas não fica por aqui, havia muitos casos hilariantes. Num outro dia, um dos muitos calinas que, uma semana depois de ter chegado de Portugal, deu parte de doente, dirigiu-se ao posto médico da obra a fim de ser consultado, alegando que estava constipado. O médico, um indo-português, estava fora, por isso, quem o atendeu foi um enfermeiro marroquino. Disse-lhe o manhoso:- Oh, messiu: eu estar malade, ter constipation!

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Perante tal autodiagnóstico, o enfermeiro prescreveu-lhe e ministrou-lhe o medicamento que, em princípio, melhor se ajustava à sua maladie. Entregou-lhe uma caixinha com um frasco no interior e recomendou-lhe que tomasse uma colher de sopa três vezes ao dia. O bacano, que já tinha alibi para não vergar a mola, mostrando vontade de colaborar, tomou uma primeira colher ali mesmo à frente do enfermeiro. Saiu certo de que a sua manha tinha resultado, e voltou à cama, que ainda estaria quentinha. Mas foi sono de pouca duração, porque o medicamento, demasiado eficaz, espécie de purga para prisão de ventre, provocou-lhe um tal terramoto intestinal que, quando se deu, já era. Nem deu para chegar aos sanitários de modo limpo e imaculado.

Mas a saga vai continuar.

*Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal de Cá.

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