Crónica de José Caria Luís
Também o José Manuel Colaço – tal como os demais, e já citados, conterrâneos – faziam parte do elenco dos cruzados que demandaram terras mouriscas. Mas foram muitos os ribatejanos que, oriundos de Alverca, Vila Franca de Xira, Carregado, Azambuja e Almeirim, contribuíram para engrossar as hostes lusas no reino de Marrocos.
Entre tanta gente de todos os pontos do país, uma coisa era consensual no seio de uma diáspora com cerca de oitocentas almas: em termos comportamentais, não haveria povo que melhor se identificasse com o marroquino do que o próprio português. É bom recordar que, tendo os magrebinos reinado por terras ibéricas durante muitos séculos – muitos terão por cá ficado, confundindo-se no meio –, deixaram-nos um forte legado de raízes e vícios de tal modo arreigados que, ainda hoje, comungamos desses ideais. Eles próprios o constatavam e expressavam esse sentimento. Diferenças, é claro que as havia, desde logo pela religiosidade, porque os muitos que por cá ficaram, também foram convertidos à força, na forca ou numa qualquer pira flamejante. Religiosidades à parte, estabelecido um paralelo entre tugas e magrebinos, diria que éramos (e somos) muito bons a trinchar uns bons nacos de presunto, a sorver umas pingas de vinhaça, e a rebater com um bagacito duplo, coisas que muçulmano nem cheira, só porque lhe está vedado. Eles, porém, à falta de melhor, alinham num thé à la menthe e num casqueiro achatado, no dia sim, dia sim. Onde se manifestam, então, as semelhanças entre os dois povos? No que concerne a sacar algo ao alheio, nós tugas já pouco temos a aprender. Pelo menos no gamanço de pequena monta, a chamada palmada, eles, árabes, já não nos levam muito a palma. Eles só exageravam, porque deitavam a mão a tudo a que deitavam o olho. Daí, a expressão “olho que vê, mão que pilha.” Mas, adiante:
A quadra natalícia de 1977 estava aí. Era natural, pois, que a esmagadora maioria dos cruzados se fizesse ao caminho para rever as famílias e, com elas, celebrar as festividades. Alguns vinham em definitivo. Por via de terem chegado ao termo dos contratos, traziam todos os seus apetrechos; outros, porque ainda retornariam a Marrocos, viajavam mais leves, mais desafogados. Umas centenas viajaram de carro – alguns comprados lá -, vinham através de Melilla, Sevilha, Badajoz e Elvas; outros vieram num voo charter da Air Maroc que, supunha-se, faria escala em Lisboa, de onde, depois de deixar os passageiros do Centro e Sul, seguiria para o Porto, pois havia muita gente do Norte. O esquema não seria despropositado, mas, devido a qualquer óbice técnico ou informação deturpada, a verdade é que o percurso e a escala iriam ser invertidos. A meio da viagem, mal foram informados da suposta alteração, foi o bonito. Agora, é que a bagunça se instalara no interior da aeronave.
É que, por força do contrato, um vencimento era depositado em Portugal, enquanto um outro, acrescido das verbas provenientes de trabalho extraordinário, era pago em Marrocos. Ora, estas quantias, recebidas em dirhrams, tinham que, forçosamente, ser cambiadas em francos, em marcos ou em dólares, como a seguir se relata.
*Artigo publicado na edição de abril do Jornal de Cá