Opinião de José Caria Luís
O português, tirando partido e fazendo suas as palavras do ditado “a necessidade aguça o engenho”, perante o grau de dificuldade que se adivinhava na delicada operação de fazer passar o aforro, traduzido em notas de dólares, marcos alemães e francos franceses, na Alfândega do Aeroporto de Oujda, logo engendrou um esquema de modo a iludir a costumeira forte vigilância e inspeção por banda dos agentes magrebinos. Depois de, na cidade de Oujda, e durante alguns meses, nas manhãs de domingo, ter corrido aturados riscos numa qualquer esquina de uma rua da cidade de Oujda, fugindo aos olhares da polícia e às notas falsas dos candongueiros, não era agora que, nesta fase crepuscular, lhe ia ver fugir o seu pecúlio que tanto custara a amealhar…
Aqueles que viajavam de carro, sentiam-se relativamente mais confiantes. Eles estavam convictos de que, em qualquer buraco da ferrugem das embaladeiras ou mesmo no interior dos pneus, conseguiriam safar a “massa”; agora, os que viajavam de avião é que nem pregaram olho durante a semana que antecedeu aquela viagem, que tinha tanto de desejável como de martirizante. Mas, desde que o esquema fosse bem urdido, não havia razões para se entregar ao sofrimento por antecipação…
Então, tirando partido da fértil capacidade do desenrascanço lusitano, os futuros passageiros aeronáuticos começaram por furar os cabos de madeira das macetas, martelos, serrotes e, até, das colheres de pedreiro, em cujos orifícios colocavam as notinhas enroladas, que nem rifas de quermesse lá da terra. Mas as habilidades não se ficavam por aqui, já que as nozes – as nozes marroquinas eram bem maiores que as nossas – abertas ao meio, pela bainha e por meio de navalha, também albergavam algumas dezenas de notas. As cascas, depois de cheias, eram coladas com o rigor que a situação exigia e nada nem ninguém conseguiria detetar a golpada.
Afinal, depois de tão aturado trabalho noturno, traduzido nalgumas horas roubadas ao sono, ao descanso, na execução dos disfarces cambiais, todos passaram (a fronteira) com distinção. Mas, já no ar, e a entrar no espaço aéreo português, novo sobressalto salta, invade e deixa os estômagos a tremelicar borboletas. É que o tuga, por demais habituado a estabelecer compadrios, parcerias e outras vaquinhas tais, não esperava pela alteração da rota, tal como foi explicitado na edição anterior. Pois foi! O avião da Air Maroc ia fazer escala no Porto e só depois aterraria em Lisboa. E agora? Como se procederia à divisão das notas que, ora estavam nas ferramentas e nas nozes de uns e, em simultâneo, também eram de outros? E vai disto! Malas abertas no meio do corredor do avião, e vai de proceder à divisão dos pertences. Os comissários de bordo da Air Maroc, de olhos esbugalhados perante tal balbúrdia nem queriam acreditar. Pelos vistos, jamais, em tempo algum, eles tinham assistido a tais cenas. Mas havia mais: aquando da abertura das malas, não brotaram só cabos nem nozes, mas, também, muitos talheres, daqueles que alguns bacanos, ao longo do tempo, tinham surripiado no Refeitório da empresa.
*Artigo publicado na edição de maio do Jornal de Cá.