A desgraça

Crónica de Vânia Calado

Toda gente sabia que eles se falavam. Viam-nos sentados nos bancos ao pé da igreja, mais juntos do que era suposto. Em sussurros comentavam que ela não se dava ao respeito, em voz alta diziam que a mocidade não se sabia comportar. As mulheres pelo menos. Mas a verdade é que toda gente sabia que eles tinham um namoro não declarado. Estava à vista de quem se cruzava com eles.

Não se sabe o que ele prometeu ou se chegou a prometer. Não se sabe de que falavam nem que planos tinham, mas muito se disse sobre o que ali se passava. Sobre as mãos que desciam nos bailaricos, sobre as gargalhadas dela.

Muito se falou, mas quando chegou a hora não se ouviu nada para lá do silêncio. Quando ela bateu à porta com as mãos a tremer e ele abriu só para a fechar em seguida com ordens claras para que não o voltasse a procurar. Ele não lhe devia nada.

Com o lamento a morrer na garganta, ela ficou na rua. Sozinha e desamparada, sem porto seguro nem braços que a abrigassem. Tinha traçado a sua sina e escolhido a sua cruz. Confiara nas palavras doces que, depois de cumprirem o seu objetivo, não significavam nada.

Toda gente sabia que eles se falavam. Toda gente comentava, mas ninguém ficou por ela. Quando a barriga começou a crescer, viraram-lhe as costas. “A mocidade não se dá ao respeito e as mulheres são umas doidas”, era o que comentavam, completado com um “quem não se sabe dar ao respeito não merece ser respeitada”. Era nisso que acreditavam. Uma mulher digna sabe dar-se ao respeito, sabe guardar-se.

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Ela ficou com uma criança nos braços que era órfã do pai que passava por ela todos os dias. Fez-se mãe e pai.

Baixou os olhos quando foi olhada com desdém, tratada como infeliz pelos que viviam na porta ao lado da sua, vivia com peso de não merecer estar ali.

Toda gente sabia que eles se falavam, mas ninguém ficara por ela. É certo e sabido que os homens são homens e que essa frase que não é nada os defende de tudo. A mulher é só desgraçada. Pior, a mulher deixou-se desgraçar.

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