A evasão do Galinha

Crónica de José Caria Luís

Atendendo ao facto de estarmos na semana das eleições, não posso deixar de salientar o quão pouco tempo tenho perdido com essas telenovelas grotescas onde se esbanja dinheiro e que nos dá cabo da paciência. A tristeza é tal que, não fora algumas passagens rápidas, tipo vista de olhos pelos ecrãs das TVs, observando, aqui e ali, umas hilariantes tiradas do caciTino do RIR, a somar a alguns dos maus momentos de estado de espírito do Ventura, e tudo seria pior. Porém, a partir da tarde-noite do dia 30, já com os resultados espelhados na tela e umas dezenas de comentadores opinando sobre eles, será bem mais fácil escrever acerca dos mesmos. Se prognósticos só no fim do jogo…  aguarde-se.

Assim, falando do passado, melhor será trazer ao conhecimento do pessoal do concelho algumas peripécias dos meados do século passado, tal como a evasão do Joaquim Galinha. Se é verdade que muitos foram os cineastas que, a partir de Hollywood, se evidenciaram na criação de filmes cujo tema versava as evasões de prisões dos USA, por cá, pese embora se tratasse de um país muito limitado, também não houve ousadia ($) para levar por diante um tal projeto.

Pois, quer o pedreiro José Canejo, de Vale da Pinta, tal como o cartaxeiro, e também pedreiro, Galinha, Joaquim Galinha, tinham certas manhas que consistiam em apropriar-se do património alheio, em especial de aves de capoeira, lagomorfes e, até, de cevados. Atuavam pela calada da noite e quase sempre a operação era coroada de êxito. Do Canejo, já falei abundantemente num meu livro, até cheguei a compará-lo ao Alphonso Gabriel – o Al Capone -, coisa que não foi muito bem aceite por alguns familiares, mas do Galinha ainda nem uma palavra sequer. Mas cá vai:

Quando, em 1957, trabalhei na construção de um armazém do Periquito, o das mobílias, na Rua Nova da Boavista, conheci o, então, já famigerado Joaquim Galinha. Homem alto, com o corpo a começar a vergar devido ao peso dos anos, ali estava ele, fazendo parede de pedra e cumprindo o seu dever profissional. Pelo porte e robustez física que ainda aparentava, deixava adivinhar que, quando mais novo, se valia daqueles atributos para a prática dos serviços em tempo extra, por isso, de vez em quando, era preso. Então, era aquele o herói de outros tempos, de que a rapaziada falava e, de algum modo, venerava ou temia.

O carcereiro da altura, que era proprietário de uma pastelaria na Rua Serpa Pinto, pelas manhãs, sempre que ali chegava, gostava de gozar com o Galinha, a propósito do apelido. – “Então, Galinha, já mudaste a pena?” Mas um dia, distraiu-se e não fechou convenientemente a porta da cela, onde, além de uma meia dúzia de presos, se encontrava o Joaquim Galinha. Todos viram que a porta não estava fechada a preceito, mas ninguém ousou aproveitar-se disso. Eles sabiam que, em caso de reincidência, o castigo era a dobrar. Mas o Galinha é que não esteve pelos ajustes. Como era analfabeto, pediu a um dos comparsas para lhe escrevinhar umas palavras num papel e ditou:

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– “Era o galinha, era, mas agora sou o galo que fugiu da capoeira e agora vão lá apanhá-lo!” O papel foi deixado sobre a enxerga do Joaquim Galinha, enquanto este se punha ao fresco. Quando o carcereiro-pasteleiro chegou, nem queria acreditar. Mas era verdade: o Galinha passou a Galo.

*Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal de Cá.

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