A fábula

Opinião de João Fróis

Como acontece ciclicamente, de quatro em quatro anos, estamos a viver o tempo dos grandes mistificadores, vulgo políticos.

Em plena campanha eleitoral, seja em comícios, arruadas ou debates televisivos, esgrimem-se argumentos e defendem-se velhos dogmas, apostando na diferenciação do rival, através de jogadas táticas e velhos truques que façam brilhar o ilusionista mor.

Na verdade Portugal continua a viver uma fábula em termos políticos e económicos. Os líderes dos principais partidos apontam o crescimento e apoio à economia como um grande desiderato do executivo, mas, em boa verdade, o país continua com um setor industrial escasso e sem poder produtivo de grande escala e com uma agricultura diminuta e sem capacidade para abastecer as necessidades internas. Se olharmos para os números da população ativa, cerca de 4.867 mil portugueses, em 2018, os setores de comércio e retalho (698 mil), alojamento e restauração (329 mil), educação (424 mil), saúde e apoio social (452 mil), ou seja de serviços, contrastam com os criadores de riqueza, indústrias transformadoras (834 mil), agricultura, produção animal e silvicultura (294 mil) e construção (307 mil), cabendo aos outros setores cerca de 1.093 mil portugueses. Numa análise rápida concluímos que os serviços, que por norma consomem recursos, empregam mais que os setores ditos produtivos e geradores de riqueza, o que leva a uma dependência daquilo que todos fazemos, seja qual o setor em que trabalhemos, o consumo. Efetivamente, o IVA é um dos cavalos de batalha dos executivos lusos, mesmo com baixas cosméticas setoriais, e o grande capitalizador de recursos do Estado. A que se juntam o ISP em que por cada litro de combustível quase 60% vai para impostos. E toda uma panóplia de impostos diretos e indiretos que sobrecarregam as finanças familiares, seja na habitação, na restauração e turismo ou na alimentação.

Na verdade Portugal produz pouco para os serviços que tem. O tecido produtivo é constituído em cerca de 97% por pequenas e médias empresas, com todas as dificuldades operacionais que se geram num mercado onde existe um nível preocupante de crédito mal parado e níveis de endividamento crescentes, seja nas famílias, seja nas empresas para fazer face às dificuldades de tesouraria constantes para fazer face às despesas com pessoal e fornecedores. O Estado é uma vez mais um mau exemplo. Paga mal e quase sempre demasiado tarde mas já no papel de cobrador é implacável. Trata as empresas e as pessoas como geradores de impostos e não como criadores de riqueza. E alimenta setores de serviços que deveriam existir numa proporção equilibrada com o setor produtivo, mas que, na realidade, o superam em muito. Senão vejamos, pessoas a trabalhar em cargos legislativos, orgãos executivos e dirigentes são mais do que as que trabalham na agricultura, 271 mil contra 263 mil. Temos 920 mil especialistas em atividades intelectuais e científicas e 550 mil técnicos de nível intermédio. Mais de 900 mil pessoas em serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores. Mas “apenas” 644 mil artífices e técnicos industriais, 420 mil operadores de máquinas e montagem e 480 trabalhadores não qualificados. O desiquilibrio é evidente. E enquanto a aposta não for real nas atividades industriais e produtivas, geradoras de riqueza e valor, continuaremos a viver dos fluxos do turismo, dos impostos sobre o consumo e transações e a gerir as expectativas salariais e profissionais de quem se compara aos congéneres europeus e conclui que está a anos luz da sua qualidade de vida e poder de compra.

E por haver um peso tão grande do sector público vemos os sindicatos em protesto contínuo a pedir mais dinheiro quando na verdade quem o produz tem muito menos. E enquanto não percebermos que temos de criar mais e melhor para podermos então ter serviços de qualidade ajustados às reais necessidades e capacidade produtiva, estaremos tão ou mais cativos que as finanças do sr. Centeno.

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Por isso, os ilusionistas têm de alimentar a encenação de modo a entreter as massas com promessas de mais pensões, menos impostos e uma inflação controlada. É pouco, demasiado pouco para um país que quer ter futuro.

Se não encontrarem aqui boa parte das razões para a abstenção eleitoral, então além de mistificadores são definitivamente autistas.

*Artigo publicado na edição de outubro do Jornal de Cá.

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