Por João Fróis
A pandemia veio para ficar, é bom que nos convençamos disso. Por mais cansados que estejamos das restrições a que nos obriga, a verdade é que o anúncio e chegada das vacinas não resolve o enorme problema que temos em mãos. Poderá vir a contribuir para controlar a sua propagação e danos daqui a alguns meses, mas até lá temos de nos mentalizar que o que vivemos em Março e Abril de 2020 poderá vir a acontecer muito em breve. Se nessa altura os números eram diminutos comparados com os de hoje, as medidas foram musculadas face ao medo e desconhecimento sobre o que este vírus representava. Vivemos agora algo diferente.
Sabemos mais sobre o vírus, foram criadas vacinas que já estão a ser administradas, mas os contágios estão a aumentar diariamente e em níveis que os sistemas de saúde não vão conseguir suportar, trazendo o fantasma que Itália viveu com a escolha tenebrosa entre quem vive e quem é deixado à sua “sorte”, por evidentes falta de meios, humanos e técnicos.
Se nenhum país tem a fórmula milagrosa para controlar a pandemia, a verdade é que a resposta que cada país tem face à ameaça faz toda a diferença. E Portugal figura agora no pior dos índices pandémicos, liderando os países com mais casos por milhão de habitantes. Há menos de um ano falava-se no milagre português, como se tivéssemos encontrado a fórmula mágica de controlar a pandemia. Puro engano. Terá sido a conjugação de vários factores e entre eles a adesão massiva que a população deu ao confinamento obrigatório, ajudando a baixar os números de infeções. Mas veio o verão e o alívio das medidas trouxe as pessoas a uma normalidade desejada e mais que expectável face às restrições que ninguém gosta nem deseja.
Mas quem governa sabia os riscos que esse alívio traria. No entanto não vimos nem o reforço dos meios humanos e técnicos do sistema de saúde, nem uma maior proteção dos mais frágeis. Aliás a partir de Setembro os casos de infeções em lares de 3a idade dispararam, aumentando a mortalidade e a ocupação das enfermarias e camas de cuidados intensivos.
Mas há um fator determinante que nos trouxe até onde estamos hoje. E não foi tanto a liberdade de movimentos no Natal, decisão política de simpatia eleitoral, que mesmo aumentando os riscos de contágio, fez a diferença maior no disparar das infeções. O maior problema tem um nome, falta de rastreio das cadeias de contágio. Sempre foi essencial determinar todas as pessoas que tiveram contacto com um positivo a Covid19 e em tempo útil foram identificadas e acompanhadas de perto pelas autoridades de saúde, de modo a controlar a incidência desse foco.
Ora o que temos vindo a assistir é a uma incapacidade total neste acompanhamento dos focos de contágio. Por falta de meios humanos, que deveriam ter sido reforçados no verão do ano passado, e também técnicos, de suporte e aceleração do processamento crescente de dados, de modo a dar resposta ao previsível aumento de infeções no final do ano passado e início deste. E é nesta falha grave que reside o maior dos nossos problemas. Todos assistimos a casos na família e com amigos, de respostas tardias dos delegados de saúde, com os infetados a esperarem, e desesperarem, mais de uma semana por orientações. Os que tiveram contacto com os infetados ficaram sem uma resposta, uma orientação, recebendo por vezes indicações tardias e contraditórias entre os delegados de saúde e a linha de saúde 24.
Perder o rasto aos focos de infeções foi o princípio do fim do milagre português. Com o aumento de casos e o não investimento em mais e melhores recursos de acompanhamento e controlo, o caos estava anunciado. Natal e fim de ano apenas aceleraram o inevitável. E o cansaço social face a uma pandemia sem fim à vista fez o resto. As prevaricações aumentaram e as saídas à rua ao abrigo das muitas exceções deixaram as ruas quase como em dias ditos normais.
Pelo meio assistimos a um elenco de medidas sem critério e incompreensíveis para as classes profissionais que mais sofreram o ano passado.
O comércio de rua transformou-se no bode expiatório da incúria governativa e do lascismo e negligência de largas franjas da população. Sabemos que não é nos locais onde mais se trabalhou para se adaptarem às medidas sanitárias que as infeções acontecem. Estas sucedem maioritariamente quando as pessoas relaxam ou estão sujeitas a ambientes altamente contaminados. Exatamente os convívios privados e familiares e os ambientes hospitalares.
Não nos fornecem esses dados mas as infeções em meios hospitalares são tremendas. Os casos relatados por profissionais de saúde são imensos e ilucidativos. Assim como os de pacientes de outras patologias que em idas a consultas e realização de exames, mesmo com a sua queda abrupta, se infetaram e propagaram nos seus meios familiares.
A verdade é que independentemente do local onde nos possamos infetar, o relevante é identificar quem, onde e com quem esteve o infetado, tudo isto em tempo útil, ou seja, nas horas seguintes.
Faltavam meios em março e abril de 2020, era sabido que uma 2ª vaga viria no final do ano, o que se veio a confirmar, e que foi feito para reforçar estes meios de controlo e acompanhamento dos casos? Nada. Ou muito pouco. E sem esse momento essencial, tudo o que sucede a jusante fica incontrolável. Sem meios para identificar e parar os focos de “incêndio”, lidar com uma propagação gigantesca é inevitável. Podemos fazer o paralelismo com o que todos os anos nos afeta, os fogos florestais. Falamos do reforço dos bombeiros mas pouco ou nada fazemos na prevenção dos fatores de risco de incêndios e assim, ao sabor das condições climatéricas, vivemos ameaças crescentes em cada ano que passa. 2017 foi um aviso do que pode suceder com desastrosa repetição anual.
Nesta pandemia o paralelismo é notório. Não nos preparámos para controlar as infeções e agora temos os hospitais à beira da ruptura, com tudo o que de horrendo isso se afigura.
Infelizmente Portugal insiste em ter comportamentos a exemplo do velho adágio “ depois de casa roubada, trancas à porta”. E os dirigentes que temos mostram uma incapacidade gritante em se focarem no essencial, sendo este essencial o controlo e seguimento dos focos e cadeias de contágio. Vir com acusações de comportamentos negligentes da população e com meias medidas que afetam apenas alguns e permitem lascismo a outros, é uma falácia imensa. Uma falácia que custa empregos, meios de subsistência a milhares e o pior, vidas humanas que de outra forma poderiam, e deveriam, ser poupadas. Porque sermos compelidos a ficarmos em casa para assim contribuírmos para que os hospitais não colapsem, quando o governo não faz a sua parte, é além de injusto e desproporcionado, um logro tamanho face ao que nos “prometem” quando os elegemos para gerirem os destinos da nação.
A democracia tem de ser melhor e responder mais eficazmente ao que todos nós esperamos dela. Sob pena do descrédito da ação política e dos seus agentes e do perigoso crescimento dos populismos que a história nos mostrou, bem recentemente, que nada trazem de bom e de aconselhável ao bem de todos nós.