Às escondidas dos olhos da minha avó, destapava a massa dos coscorões que estava a dormir na malga de barro e passava com o dedo para levar aquela massa amarela à boca. Quando a minha avó dava por ela, já ia em corrida a fugir com os dedos refastelados na boca. Ia ficar com dor de barriga e não comia mais nada, barafustava ela.
Este era um dos rituais dos Natais em família: fazer coscorões, filhozes e belhozes para a noite da consoada. Toda a família estava presente a ajudar na cozinha, com muita gritaria de panelas e risota pelo ar e os gaiatos pequenos como eu a perguntar à mãe que horas eram de cinco em cinco minutos, a olhar para as prendas embrulhadas debaixo da árvore de Natal iluminada por gambiarras de várias cores, e o presépio com as figuras de barro em cima do musgo, que era recolhido da terra das encostas da Calçada do Monte em dias de nevoeiro.
As prendas que eram brinquedos vinham todas da terra do Pai Natal, que era em Óbidos. Semanas antes do Natal, ia com os meus pais a casa de um amigo do meu avô em Óbidos, que tinha brinquedos de madeira, pistas de comboios e monstros mitológicos que andavam pelo chão por toda a parte.
Ficava a noite toda a olhar para os ponteiros do relógio de parede, que soava aquele som de despertador muito alto cada vez que passava mais uma hora.
Quando ia ao Natal da minha avó da Serra da Estrela, o ritual não era muito diferente. Talvez com a diferença que comia muitas bolinhas recheadas de passas e pinhões e as colheradas que comia à socapa, dos frascos de doce de tomate que estavam na despensa.
O Natal é estar em família e com a família, mesmo com aquela que já não está entre nós, que já partiu há muito tempo ou que está distante de nós por zanga de coisas do passado ou residência. É um momento de comunhão, de união e partilha entre os nossos. E aguardo com ansiedade pelo Natal deste ano, à espera dos dias de nevoeiro para ir buscar musgo com os meus gaiatos para montar o presépio da família.
O Natal é estar em família e com a família, mesmo com aquela que já não está entre nós, que já partiu há muito tempo ou que está distante de nós por zanga de coisas do passado ou residência.