A Feira de Todos os Santos, 70 anos de um Feriado, e uma obra de arte
Bagos da Memória, por Pedro Gaurim
Desde tempos ancestrais que os vivos se ocupam dos mortos. O mesmo aconteceu desde os inícios do Cristianismo, como provam as inscrições nas catacumbas de Roma. A Igreja reposicionou essa crença no que viria a ser o dia de Todos os Santos, que comemora todas as almas que se encontram na presença de Deus, no Paraíso. No Cartaxo não existem expressões artísticas ou religiosas associadas a Todos os Santos (procissões, romarias, altares, pinturas). Havia sim, o peditório do Pão por Deus, relacionado com o Halloween, que vem do escocês All Hallows’ Eve, tradução do termo cristão Vigilia Omnium Sanctorum, que significa Todos os Santos. No entanto, é de recordar que o peditório com máscaras e a “doçura ou travessura” resultou da opressão anglicana às tradições católicas e neste caso, ao Pão por Deus.
Por outro lado, o Dia das Bruxas ou dos Mortos, é comemorado a 31 de Outubro, porque no passado, os dias começavam com o crepúsculo, daí a importância das vigílias e das vésperas na Igreja Católica. As tradições não são estáticas e não as devemos encarar com preconceito.
Todos os Santos foi um dos Dias de Guarda, dias santos, de trabalho proibido, os feriados antes da implantação da República. Em 1910 deixa de ser feriado, só o voltando a ser com a lei da reforma dos feriados de 1952 (Decreto 38596, de 4 de Janeiro), em que se fixaram os actuais, civis e religiosos (ANDRADE, Luís Oliveira; TORGAL, Luís Reis, Feriados em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2012).
O dia 2 de Novembro, comemora Todos os Fiéis Defuntos, aqueles que permanecem na esperança da Ressurreição, pelo que os fiéis peregrinam aos cemitérios, conduzindo preces para salvação das almas. Foi Odilon de Cluny (ca. 962-1048), abade de Cluny, que instituiu o 2 de Novembro nos mosteiros dessa ordem, sendo depois adoptado por toda a Igreja. Mas só em 1913, com o papa Pio X, terá ofício específico.
Na Igreja Paroquial do Cartaxo, existe uma Nossa Senhora das Almas, representada com o Menino Jesus no colo, sobre as almas no Purgatório, que suplicam intercessão na Salvação. Esta pintura pode ser associada ao dia dos Fiéis Defuntos, pois também os fiéis vivos pedem a intervenção dos santos e anjos nesse processo. Outras invocações marianas servem este propósito salvífico: N. Sra. do Carmo, da Boa Morte, dos Anjos, do Resgate [das Almas], etc.
A pintura não é proveniente de uma antiga irmandade local, mas do Convento de Santa Clara de Santarém www.monumentos.pt), sendo uma representação da tradição franciscana (Santa Clara, irmã de São Francisco).
Crentes ou não, quando voltarmos da Feira, de sapatos sujos, inebriados com o aroma das castanhas, das maçãs e das peras recentemente colhidas, dos frutos secos, da ginja, da água pé e das farturas, a tal ponto que por vezes já não se janta, bem podemos meditar. Outra coisa distingue a Feira dos Santos?
*O autor não escreve de acordo com novo acordo ortográfico