A fotografia

"Lá Pela Terra", por Vânia Calado

Era sempre assim quando chegava o Verão. O tempo quente trazia de volta quem pertencia ali. Vinham da cidade. Para onde se tinham mudado e onde a vida lhes sorria um bocadinho mais do que aos que tinham ficado para trás.

Voltavam para abraçar os seus. Rever aquelas caras que se esbatiam com o tempo. Às vezes era difícil recordar a expressão daquela vizinha que os vira nascer. Começava a faltar o nome à outra que costumava vender o azeite que a mãe lhes pedia para ir buscar. A distância era culpada.

Vinham visitar os irmãos. Conhecer os sobrinhos. Dar um beijo à mãe que já estava a perder as forças.

– É a idade, filho – dizia enquanto lhe dava uma palmadinha da face – Os teus miúdos, como estão?

Estavam bem. Crescidos e reguilas como se quer para as crianças daquela idade.

Os irmão trabalhavam no campo e o sol ainda ia alto. A hora da despega estava longe, era preciso saber esperar que voltassem depois do dia de trabalho. Os visitantes, filhos daquela terra, percorriam aquelas ruas que tinham sido suas enquanto cumprimentavam as vizinhas de sempre. As mesmas pessoas com os anos a marcar-lhes o corpo. A levar-lhes a vista e a toldar a memória.

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A vida ali ainda era sua. Aqueles caminhos ainda lhes pertenciam. Mesmo que a vivessem longe.

Ao final da tarde, quando o dia de trabalho tinha sido dado por terminado, os irmão apareciam. Viam-nos ao cimo da estrada com o grupo de trabalho que os acompanhava. Descalços. Elas de cesta à cabeça. Eles de enxada ao ombro. cansados do dia e a limpar o suor que lhes escorria pela testa.

– Oh irmã – gritavam aos seus que se aproximavam.

E ali, no meio da rua, se faziam os cumprimentos. Sem cerimónia que não era todos os dias que os seus voltavam a casa. E os olhos demoravam no outro, para reconhecer as feições. Para perceber o que tinha mudado num ano. Um só ano e tanta coisa diferente.

– Bons olhos te vejam.

E os miúdos corriam de um lado para o outro. Os primos da cidade com os do campo. Enquanto os mais velho pegavam numa manta das antigas e a estendiam à sombra das árvores grandes. Ali no meio do campo. A família reunida debaixo das oliveiras, os miúdos de um lado para o outro e os mais velhos a matar as saudades.

– Agora fiquem todos aí – dizia o irmão que tinha vindo lá de longe.

E eles ali ficavam. Sentados no chão. Com a mãe lá ao fundo, já com o peso dos anos a fazer-se sentir. Os irmãos sentados no chão com os filhos mais novos ao colo. Os filhos mais velho sentados a uma ponta da manta. Uns descalços que o dinheiro não dá para tudo.

E fica aquele quadro imortalizado na fotografia que o filho estrangeiro tira. A família reunida numa tarde Verão. Com aquele calor que traz de volta a casa aqueles que um dia se aventuraram no mundo.


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