Opinião de João Fróis
La Fontaine, numa versão hipócrita e menos fantasista, habita no seio do governo português e tem rosto no super ministro Centeno, que brilha nas hostes da UE.
Quem ouve Centeno, naquele seu jeito de garoto traquina, com um sorriso que apenas é inocente na aparência, julga viver numa país cor de rosa. A obsessão do défice que levou Passos Coelho ao inferno, é agora sublimada de modo glorioso, como uma conquista irrefutável desta engenhosa geringonça governativa. O pacote mirífico completa-se com uma dívida pública controlada, números de desemprego em mínimos olímpicos e volume de exportações sem mácula. Quem gosta de comer e calar tem aqui a refeição ideal, pronta a degustar sem dúvidas que a sobressaltem.
Mas a realidade nua e crua é bem diferente. É tão oposta que o sentimento que nos acolhe quando nos damos a reflexão é o de incredulidade, numa primeira fase e de revolta já numa fase amadurecida do exercício pensante. Efetivamente e para lá da espuma dos dias e dos escaparates das notícias fáceis, a realidade é preocupante e digna de intervenção.
As sucessivas greves a que vamos assistindo e que normalmente acontecem de modo mais impactante quando o centro direita está no poder, tem na sua génese razões de peso e que vão muito para lá das normais e quiçá legítimas reivindicações sindicais de mais aumentos e melhores condições laborais. O logro começa a sobressair pelas frestas do verniz ressequido deste discurso bafiento do país das maravilhas.
A verdade é que este executivo não paga aos credores!
As famosas cativações, além de vocábulo que quase sugere aos mais distraídos as doçuras de cativar alguém, não são mais do que reter o dinheiro que deveria ser entregue a quem já adiantou serviços e/ou produtos às inúmeras instituições estatais. Esta retenção promove que os fundos de maneio do estado sejam controláveis e geridos a conta gotas, levando a que as famosas folhas de Excel apresentadas em Bruxelas brilhem aos olhos de quem apenas contabiliza as linhas de fundo. Pelo meio muito fica por explicar. A começar nas razões que levam tantos funcionários públicos a protestarem nas ruas. Atentemos aos exemplos mais visíveis.
Os professores protestam e com razões de sobra pela contagem dos anos de serviço que foram congelados, os tais nove e alguns meses e que, foram legitimados em decreto-lei recente, dando assentimento as faltas que o estado provocou nas carreiras de quem lecionou e se viu defraudado na contabilização do tempo de serviço. Ora o que dizer deste arrastamento de supostas negociações que mais não são do que manobras dilatórias para adiar o inevitável? Uma fraude sem apelo nem agravo. Pelo meio sofrem os mais inocentes e que deveriam ser a primeira preocupação de todos estes intervenientes, os alunos e a sua formação! Mas uma vez mais estes podem esperar e ficar com matérias a meio, sendo defraudados na qualidade da educação que recebem. Mais uma face da fraude.
Prossigamos.
Na saúde as coisas não estão melhores. A dívida dos hospitais não para de subir, o pagamento aos credores vai sendo arrastado e mascarado com entregas programadas de acordo com as agendas políticas e o peso económico dos reclamantes e pelo meio o fornecimento de medicamentos fica comprometido a pacientes e utentes do SNS que não encontram nas farmácias o que tanto precisam. Mais que uma fraude, é uma vergonha lesa pátria e que põe em causa a vida de pessoas. Mas será que isso importa verdadeiramente aos que apenas olham as folhas de excel?
Os enfermeiros andam numa luta acirrada pelos seus direitos e promoveram greves cirúrgicas que obstam á realização das mesmas. São milhares de cirurgias adiadas e mais ainda os lesados por uma guerrilha que nem deveria acontecer. Antes de considerar imoral a greve e a tentar solucionar com requisição civil, o governo deveria tudo fazer, de antemão, para evitar tal desfecho e o sofrimento de milhares de doentes que esperam e desesperam pelas cirurgias que lhes devolvam esperança. Mais que fraude é já escândalo e revolta que se trata.
Mas tem de haver uma palavra para a fraude que a inoperância do Banco de Portugal está a ajudar a agudizar. Ao não agir junto da banca no sentido de controlar o crédito ao consumo e habitação, está permissivamente a permitir que o mercado esteja a derrapar para números absurdos de endividamento. Senão vejamos. No consumo, a dívida nos cartões de crédito atinge uns espantosos 3,25 mil milhões de euros, havendo 137 mil cidadãos em incumprimento. A maior parte destas dívidas foram feitas na compra de automóveis, sendo já cerca de 840 mil as pessoas que têm contratos ativos de empréstimo à aquisição de automóveis! Isto significa um endividamento diário na ordem dos 12 milhões de euros só neste setor de mobilidade pessoal.
Os números reais do endividamento na compra de habitação dispararam igualmente. Aqui não existem ainda valores tão definitivos mas a preocupação não é menor. A exemplo do que sucedeu nos anos anteriores à crise de 2012 e 2013, a banca está a dar crédito a famílias com taxas de esforço muito além do sustentável e aconselhado pelo Banco de Portugal. Isto leva a que milhares não consigam honrar os seus compromissos e deixem de pagar as prestações ao fim de poucos meses, uma situação a todos os títulos lamentável e que leva a processos morosos na justiça, à perda da habitação e ao pagamento das dívidas remanescentes por bens que já não se usufruem. Um drama social que ninguém parece querer assumir nem tão pouco trazer à praça pública. O incómodo é de monta e faz lembrar o desconforto político face ao país real que os dramáticos incêndios de 2017 fizeram ver a um país incrédulo perante a pobreza e fragilidades sociais que afetam tantos milhares de portugueses. Mais uma face negra da imensa fraude que esta governação vem promovendo por ação e omissão e que gere, meticulosamente, com intuitos eleitoralistas para que nada nem ninguém impeça a recondução da famosa geringonça no comando do país.
É assim, neste engodo fantasista que faria corar La Fontaine e que em nada fica a dever aos ilustres demagogos que Roma endeusou em tempos idos, que vamos andando nesta autêntica república “de bananas”. Prontas a serem amadurecidas e deglutidas pelo estadão inchado e pomposo e que tão bem fica nas fotografias para as quais vive. Triste sina a nossa que insistimos em escolher os piores para nos conduzirem. Não nos queixemos assim enquanto a tudo acenarmos, complacentes.