Em plena crise política, com a demissão do primeiro ministro na sequência da investigação do ministério público sobre os projetos de exploração de lítio e hidrogénio, é hora de, antes do mais, uma reflexão profunda sobre o estado da nação e as razões que estão por detrás, para lá das querelas partidárias e das ideologias.
Existem investigações em curso e pede-se a necessária tranquilidade para que a justiça funcione, com total isenção e proteção do segredo de justiça. Não é tempo de julgamentos em praça pública e muito menos de precipitação mediática, comportamentos que apenas geram demagogia, populismo e derivas ideológicas espúrias e evitáveis. Muito menos enveredar pelos caminhos da querela entre esquerda e direita tentando achar culpados para algo que se percebe há muito ser muito maior que qualquer partido ou ideal político. Até porque no limite serão as mais que prováveis eleições legislativas a decidir quem irá liderar o futuro governo.
O que entendo que deveria haver, mais que um conselho de estado, era a capacidade de os partidos despirem as armaduras e junto com a sociedade civil, debaterem as razões profundas pelas quais Portugal não está a conseguir acompanhar os ritmos de crescimento e melhoria da qualidade de vida da população e que se debate com crises sucessivas em todos os setores primordiais, desde o colapso anunciado do SNS, ao peso excessivo da carga fiscal, à crise na habitação, à crise na docência e na educação em geral, à inoperância da justiça, entre tantos outros dossiers sem soluções, como a TAP, o aeroporto, a rede ferroviária, a gestão dos recursos hídricos e da floresta. A lista é imensa e pede que em cada área existam os melhores quadros para serem achadas as melhores soluções. E como temos percebido com o curso do tempo, existe um alheamento da sociedade civil dos destinos da governação, sendo sabido que sem esse contributo será sempre mais difícil conseguir os melhores resultados. As dificuldades óbvias de conseguir quadros com experiência para o governo, gerou decisões polémicas e uma desconfiança crescente sobre a capacidade de vários ministros e respetivos gabinetes. E uma vez minada a confiança o comprometimento da ação governativa é evidente.
Olhando para o percurso da democracia portuguesa, encontramos nas duas primeiras décadas vários quadros de vulto na economia, nas finanças, no direito e na saúde, na educação. Pessoas com percursos firmados na docência e nas empresas, com experiência em gestão e que em muito acrescentaram no dealbar das melhores soluções governativas. Nem tudo foi acertado, mas o país cresceu e desenvolveu-se a um ritmo galopante, correndo atrás dos que há muito lideravam o comboio do desenvolvimento na europa e no mundo. Já neste século, com conjunturas complexas a nível internacional, no setor bancário e economia, com uma pandemia global e guerras em curso na europa e médio oriente, a verdade é que temos vivido tempos conturbados a nível interno e que as adversidades externas não explicam nem justificam.
Iremos com grande probabilidade assistir a tempos de disputa política no caminho a trilhar até às mais que prováveis eleições. Cada partido tem a sua agenda e irá decidir os veículos para fazerem chegar as suas ideias e mensagens aos eleitores. Em paralelo deveriam haver reuniões alargadas á sociedade civil onde fossem definidas as linhas mestras das mudanças estruturais que devem, em primeira linha, ser as prioridades nacionais, estabelecendo assim as reformas urgentes em setores como: a saúde, blindando o SNS e criando as condições de base para reter quadros e ter os serviços assegurados; a educação, com a dignificação da docência, a melhoria das condições de trabalho e a reforma do sistema de ensino; na economia, com o alívio fiscal e a promoção do investimento às empresas nacionais e atração das estrangeiras; com a criação de habitação pública de qualidade e a regulação de um mercado muito desfasado com a capacidade financeira real das famílias; a sempre adiada reforma da justiça, dotando-a de capacidade de tomar decisões em tempo útil e digno. Estas como tantas outras questões deveriam ser definidas como as missões principais a levar a bom porto, independentemente dos partidos que estivessem ao leme do governo. Sob pena de continuarmos nesta senda incompreensível de faz e desfaz, de atribuição de culpas aos antecessores e de adiarmos as reformas que insistem em ficar no papel.
Utopia? Atendendo à realidade muitos dirão que sim. Mas sem vontade real de mudar e ter a perspetiva maior do verdadeiro serviço público, estaremos condenados a ciclos e miniciclos políticos, a disputas ideológicas intermináveis e a não ter um futuro para as novas gerações. É hora do altruísmo e de unir esforços para o bem comum. Haja bom senso e coragem.