Por Rogério Coito, historiador
No século XVIII uma família de Alcobertas, Rio Maior, faz pela vida em Lisboa. E um seu descendente de nome Crispim da Costa, chega ao Cartaxo no princípio do século XIX, onde casa com Gertrudes Ferreira. Da união nascem dois filhos: José e João. Do casamento do sapateiro, empregado nos correios e negociante João Augusto Ferreira da Costa com Maria da Conceição Sá que teve como padrinho o negociante Rebelo Mayer, nasceram sete filhos e filhas que foram viver na Rua do Além (actual Rua José Ribeiro da Costa). Com a colaboração de Manuel Estrada, médico, entusiasta pela História e um excelente pesquisador, conseguimos rastrear percursos desta família. Manuel, António, Gertrudes, José, Luísa, Augusto e João, que a mãe tem a iniciativa de levar para Lisboa onde mais facilmente pudessem estudar, vieram a tornarem-se figuras marcantes da sociedade portuguesa, nomeadamente com a construção da livraria “Sá da Costa”, um monumento à cultura que a crise e a falta de apoios nos nossos dias fez encerrar ao fim de um século de prestigiados serviços.
O Manuel morre aos oito anos. O António, que em 1912 regressa ao Cartaxo para se estabelecer como comerciante, tem um filho arquitecto que participa na construção do Estádio José Alvalade e no edifício da livraria no Chiado. A Gertrudes torna-se professora e o José, militar de carreira, sócio de uma empresa exploradora das águas Santa Marta, com o arquitecto Pardal Monteiro e também co-fundador da livraria com o irmão Augusto. A Luísa é apontada nos registos como doméstica e o Augusto, que tem como padrinho de baptismo Sérgio Augusto Marques, abandona os estudos e vai trabalhar para a livraria “Avelar Machado”. Casa em 1912 com Belmira de Macedo e Oliveira, da etnia dos angolares de S. Tomé e Príncipe e, a 10 de Junho de 1913, estabelece-se como editor e livreiro no Largo do Poço Novo, em Lisboa, onde se destaca desde logo na edição dos “clássicos Sá da Costa”, livros escolares e de autores portugueses. Mas a sua livraria passou a ser também local de encontro de escritores oposicionistas ao Estado Novo, como Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, João de Barros e outros. Em 1943 inaugura as instalações na mais chique artéria de Lisboa: a Rua Garrett, ao Chiado. No seu desejo de fomentar a cultura faz doações de livros aos estudantes pobres, a escolas, cadeias, hospitais, asilos e até para se formarem pequenas bibliotecas em tabernas. Quando morre deixa cinco filhos e o mais velho, Augusto de Macedo Sá da Costa, licenciado em economia, que vem a ser, com Bento de Jesus Caraça, fundador da Sociedade Portuguesa de Matemática, continua a administrar a livraria e a organizar tertúlias participando em passeios de barco no Tejo com pessoas da oposição. Em 1947 é demitido de professor da Universidade Técnica de Lisboa e passa a ser perseguido pela PIDE. Por divergências políticas é expulso do PCP, na mesma altura em que também o foram Mário Soares, Jorge Borges de Macedo e Ramos Costa. Em 1973 faz parte do grupo fundador do Partido Socialista.
A Biblioteca municipal “Marcelino Mesquita” no Cartaxo, tem uma Sala de Leitura inaugurada em 1956 cujo patrono é o professor doutor João Augusto Ferreira da Costa Júnior, que tem um acervo constituído por quase todas as obras editadas pela livraria “Sá da Costa”, cujos proprietários durante muitos anos, actualizaram com ofertas.
O João, nascido em 1889 veio a ser professor catedrático e administrador do Banco Sotto Mayor. Casou com Silvina de Macedo e Oliveira, irmã de Belmira e tiveram três filhos (como nota curiosa a cantora Simone de Oliveira descende da mesma árvore genealógica de S.Tomé). O filho mais novo, Fernando de Macedo, licenciou-se em Histórico-Filosóficas, casou com a escritora Luísa Dacosta, foi aluno do filósofo António Sérgio e o primeiro objector de consciência, recusando-se a cumprir o serviço militar obrigatório. Cumpriu dois anos de prisão e, após 1974, é um dos fundadores do movimento cooperativo, professor universitário no Porto e escritor de teatro com sabor a S.Tomé. Foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique.
Rogério Coito escreve de acordo com a antiga ortografia