Por Ricardo Magalhães
Realizaram-se, ao primeiro domingo deste mês, as 16ªs eleições legislativas portuguesas, pós 25 de abril de 1974. Após 4 anos de geringonça, chegara a hora de os portugueses voltarem a eleger (um a um) os deputados que queriam ver sentados, ou melhor, em ação nas cadeiras da Assembleia da República portuguesa em São Bento.
Os portugueses deram a vitória eleitoral ao Partido Socialista e reforçaram a força da esquerda no parlamento, incentivando assim a continuidade da solução política encontrada na legislatura anterior. A geringonça parece assim estar aprovada. Com a subida da esquerda, caiu a direita e o PAN manteve a popularidade que revelara meses antes nas Europeias. Mas a verdadeira nota de destaque foi a entrada de 3 novos partidos na Assembleia da República, o que estabeleceu um novo recorde absoluto de 9 partidos com assento parlamentar.
Os eleitores do círculo eleitoral de Lisboa permitiram assim a estreia parlamentar dos partidos Livre, Iniciativa Liberal e Chega. A sua chegada é, na minha opinião, salutar, pois irá originar uma pluralidade ideológica e de opiniões como nunca antes vista na nossa Assembleia. Creio até que a falta de alternância eleitoral em Portugal tem sido um dos muitos fatores que levaram à relativa estagnação que temos vivenciado em democracia. É fundamental que haja renovação, caras novas, irreverência, que a dinâmica interna dos partidos parece por si só não proporcionar suficientemente. Mas que ideologias são estas que acabámos de eleger?
Comecemos à esquerda pelo partido Livre. O Livre é antes de mais o partido com o discurso mais europeísta a que alguma vez assisti em Portugal. A sua grande bandeira é a luta contra as alterações climáticas e parece ter percebido que isolados nada conseguiremos fazer nesta luta que é de todos. Infelizmente, esta postura não lhe foi suficiente para convencer os portugueses nas Eleições Europeias, mas os militantes do Livre veem o seu esforço recompensado agora com a eleição da Joacine Katar Moreira, uma personagem política interessante com muito por explorar. Contou-me o Pedro Mendonça, cartaxeiro, candidato pelo Livre no distrito de Santarém, que a Joacine começou a comparecer a alguns eventos políticos do partido, sem nunca, no entanto, pedir a palavra e marcar a sua presença. Os membros do partido interessaram-se por esta mulher que se revelou de convicções fortes, excelente escritora, mas que evitava a todo o custo a oratória pela sua gaguez aguda. A partir daí gerou-se um bonito processo de simbiose entre ambos. Nutro um profundo respeito por esta pessoa, que ganhou coragem para gaguejar o que lhe vai na alma, e por aqueles para quem isto não constituiu tabu ou impedimento. (A valorização/exaltação da mulher negra é um pau de dois bicos que posso discutir com vocês nos comentários.) A somar ao seu europeísmo, ambientalismo e comportamento descomplexado, o Livre apresenta-se como um partido feminista, anti-racista e preocupado com as desigualdades e injustiças sociais.
Chegamos à Iniciativa Liberal, que me parece ser o primeiro partido português verdadeiramente liberal. Talvez alguém da bancada do CDS possa cuspir-me cobras e lagartos por dizer isto, mas é aquilo em que acredito, pois, no caso do CDS, a apologia à liberalização económica anda lado a lado com um fortíssimo e inegável conservadorismo social e cultural. O Iniciativa Liberal parece-me coerente nesse aspeto e vem para o parlamento fazer apelo à sua ideologia e lembrar os excelentes resultados económicos e sociais que alguns países experimentaram seguindo-a. Não me parece completamente sério quando oiço os seus militantes dizer que conseguiriam compensar a redução dos impostos às empresas que propõem com recurso apenas e só à redução da despesa do Estado e sem para isso afetar gravemente a Saúde e Educação públicas. Fora isso, é uma nova ideologia que chega e que vem para acrescentar pluralidade e novas ideias, fortalecendo a democracia.
Por fim, o Chega veio provar que, ao contrário do que parecia, o reaparecimento e crescimento da extrema-direita não acontece só aos outros. André Ventura, que ainda há dois anos vestia orgulhosamente a camisola do PSD na candidatura à câmara de Loures, congratulando-se com a presença de Pedro Passos Coelho, na altura primeiro-ministro, num comício de campanha, aparece agora como a face de um partido anti-sistema que promete combater a corrupção que enferma a democracia portuguesa. A verdade é que promete isso e muito mais. E é nesse muito mais que se encontram inúmeras medidas eticamente reprováveis e questionáveis, muitas delas de índole racista, xenófoba e que procuram fomentar o ódio e a discriminação entre diferentes fações religiosas, étnicas e culturais existentes na sociedade portuguesa. Basicamente, tudo aquilo contra o que temos lutado em todo o mundo, desde o fim da II Guerra Mundial. Não me incomoda ver André Ventura dizer disparates na Assembleia da República. Incomoda-me sim saber que a sua boca vai ser um poço sem fim de falácias, meias-verdades e contra-informação (as famosas “fake news”) que, quais pedras, meticulosamente lançadas contra os muitos telhados de vidro dos seus colegas de Assembleia têm tudo para provocar estilhaços, numa luta desigual, pois o passado político de André Ventura é quase inexistente a este nível e, por isso, inexplorável e abafado pela imagem do partido novo que criou. No fundo, esta é uma ameaça que vai ter que ser combatida como deve de o ser: pela razão. Mas usar da palavra contra um homem armado revela-se difícil e perigoso.
Posto isto, e sintetizando, congratulo-me pela confiança demonstrada pelos portugueses na geringonça, pois acredito que o sucesso alcançado nos últimos anos merece e necessita de estabilidade para dar continuidade ao percurso positivo que tem feito até agora. No entanto, o fator verdadeiramente disruptivo destas eleições vai ser, a meu ver, a entrada de novos partidos na Assembleia que, acredito, vêm estimulá-la, diversificá-la ideologicamente e, com isso, fortalecer a democracia portuguesa. No entanto, a entrada da extrema-direita no parlamento deixa-me preocupado com o possível crescimento que poderá ter a partir daqui à custa da propagação de mensagens populistas e falaciosas.
Resta-me um comentário à abstenção recorde destas eleições que farei na próxima crónica. Mais uma vez, obrigado por me acompanharem nestes textos! Aguardo os vossos comentários e opiniões!