Aprendi a andar de bicicleta com rodinhas no jardim em frente à camionagem de Santarém. Era uma bicicleta com o banco em forma de sofá pepino, que dava para encostar as costas , tal e qual a bicicleta de férias dos miúdos da série do Verão Azul. Estilo motoqueiro deitado para trás com os braços arqueados, com um reflector traseiro bem redondo, e à frente com uma chapa lacada a azul escuro e um círculo branco no meio, colorido com um número a preto, como as motas de corrida. Bem perto estava o grande mural de cravos coberto pelas letras gigantes pintadas a vermelhos, que ao longe lia-se “MFA”, com crianças de mão dada em forma de serpente e com uma passagem em forma de F maiúsculo, que à medida que ficava maior, eu também crescia de coragem a trepar o muro até ao topo da letra M, sempre com os gritos aflitos da mãe e das tias a ver se não caía. Mesmo em frente, tinha a vista de uma casa de vidro cheia de estantes de livros da biblioteca Calouste Gulbenkian, estando do outro lado os baloiços meio ferrugentos com areia a fingir que era da praia, sempre com os dedos porcalhões na boca com figura de espantalho a olhar para a porta grande da polícia, à espera de ver sair os camiões azuis da PSP.
Eu muito pequeno e tudo à minha volta sempre tão grande. Os pneus das camionetas cor de laranja da rodoviária, o barulho dos escapes das motorizadas, o cheiro a cola de selos no cimo das escadarias dos correios e vários tropas com as mochilas às costas com o dedo esticado à boleia na curva a seguir ao Hospital Velho na estrada para Lisboa. Quando ia de viagem nessa estrada para o Reguengo, lembro-me de passar pela parede amarela e preta do Nitrato do Chile do Vale de Santarém e do meu pai dizer-me com ar assustado mas meio a brincar para agarrar o carro nas curvas, até começar a sentir o cheiro a frango no Cartaxo. Olhava pelos vidros e lá estava ela, a lambreta cor de motorizada suspensa no ar, que um dia talvez aprendesse a andar. Mas sem rodinhas.
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