A Mudança dos Tempos

Visto de Cá, por Pedro Mesquita Lopes

No dia 24 deste mês cumpre-se um ano de absurdo; um absurdo imoral, injustificado, ilegal e trágico, principalmente trágico – a barbara, medieval e cruel invasão da Ucrânia pela Rússia.

Sobre isto, agora, só duas frases breves: uma, o início de uma canção do (grande) Sérgio Godinho, “Triste, é muito triste, é demasiado triste”; a outra, que são duas, “SLAVA UKRAINI! HEROIAM SLAVA!”, “Glória à Ucrânia! Glória aos Heróis!”

2. No início dos mitificados Anos 80, a Guerra Fria e a possibilidade de um conflito nuclear URSS/EUA eram uma realidade quotidiana; é verdade que diretamente não nos afetava, mas aparecia todos os dias no Telejornal (que era só um, só num canal). Entre as figuras já algo anacrónicas e quase caricaturais de Brejnev e Reagan – que só se cruzaram menos de dois anos – e as pessoas, organizações, países e formas com que os dois países-sistemas usavam para se digladiar, a ameaça estava sempre presente e andávamos todos com medo, com medo do futuro ou, na realidade, com medo da falta dele.

3. No entanto, ao mesmo tempo que temíamos a falta de futuro, ele estava a ser criado e aqueles foram os anos de gestação da nossa realidade social, política, económica e cultural nos quarenta anos seguintes. Foi o início de uma globalização consumista, que começou pelo cinema, pela música e pela televisão e que, depois, à boleia do que víamos, ouvíamos e consumíamos, se cristalizou nas marcas, nos produtos (fossem eles pessoas, obras culturais, eventos ou mesmo produtos), no comércio e no dinheiro. Para disfarçar, concretizando uma ideia de marketing genial, “venderam-nos” a coisa como se fizéssemos parte de uma Aldeia Global.

4. A invasão da Ucrânia é o último estertor desse tempo e da ideia de passar de país-sistema a país-império.

5. Há muitos anos aprendi – fui surpreendido, confesso –, que uma geração corresponde a cerca de vinte e cinco anos. Pensava que era mais, que a coisa era mais estável, mas a realidade é (era) essa: vinte e cinco anos, mas hoje provavelmente até já será menos. No Google ainda se obtém os 25, mas já se fala em 10 e o ChatGPT – fixem este nome! – diz-nos que eram 25, mas que agora é menos.

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– E depois? – pergunta a leitora atenta, franzindo o sobrolho. – Qual é o problema?

– Sim, 25, 20 ou 10 anos, o que é que isso interessa? – intromete-se outro leitor, aproveitando a interrupção.

O problema não é nenhum e são ou podem ser tantos que dói só de pensar neles – volto à crónica e não entro em diálogo (falta ali um travessão no início da frase, viram?) –, desde logo a rapidez com que as referências sociais, culturais, tecnológicas, de estilo de vida, de integração se renovam, alteram e dificultam a interação interjecional. É verdade que isto sempre foi assim, e é bom, e sempre assim deve ser: as gerações mudam e as pessoas e as vidas das pessoas mudam, evoluem, regridem, alteram-se, adaptam-se… Mas… Dez anos?!

6. E isso, parece-me, nem é o pior, há algo mais disruptivo e potencialmente muito mais grave, que tem que ver com todos os pontos anteriores e com um universo de mais coisas, até com o ChatGPT – o Google ou muda ou tem os dias contados, lembrem-se disto – que é de que estamos à beira de uma mudança civilizacional e da consolidação e confronto entre países-civilização. E isso é mau.

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