A mulher de César

Opinião de João Fróis

Júlio César, cônsul romano e líder militar da república, 100 a.C a 44 a.C, teve como segunda esposa Pompeia Sula. Não tendo provas de adultério, mesmo sem a pôr sob suspeita, perante um pretenso caso com um jovem patrício, e não apresentando provas de tal, resolveu ainda assim divorciar-se. Nasceu aqui o provérbio “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

Assim é com a justiça portuguesa, não basta aplicar a lei, há que demonstrar publicamente que o faz e de forma competente. E para tal tem de ser célere, algo nunca conseguido, e verdadeiramente isenta e justa, o que dificilmente acontece.

Aliás, esta ineficácia dos tribunais no tratamento dos inúmeros casos mais ou menos mediáticos que tem tido é justamente um dos fatores determinantes para o descrédito da democracia junto do povo.

Celebrámos recentemente o 47º aniversário da revolução de Abril. E se esta representa a liberdade reconquistada, são cada vez mais os que não acreditam que a vivamos em pleno. Para tal concorre em larga escala o desempenho da classe política e a mediocridade que não consegue disfarçar. O exercício da representação do eleitorado há muito que tem nota negativa, tal o sentimento de desproteção que grassa no seio de um povo pressionado por uma carga fiscal desproporcionada aos rendimentos e pela falta de oportunidades para singrar dentro de portas.

Se a perceção de que os apoios comunitários seguem para onde menos devem, deixando os mais pobres a leste de um paraíso (im)possível, pior só mesmo a realidade nua e crua da impunidade em que vivem os políticos e os seus protetores e protegidos. O crime compensa em Portugal e a culpa morre sempre solteira. Na política, inversamente à mulher de César, não basta parecer, há verdadeiramente que ser, algo que ninguém associa à ação política, honesto.

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Para quando círculos uninominais? E uma maior proximidade entre quem elege e quem é eleito, numa justa proporção da representação? Para quando o primado da meritocracia em toda a administração da coisa pública? O fim das nebulosas nomeações e dos esquemas fraudulentos para as promover? Para quando o fim do nepotismo e do favorecimento e a criminalização efetiva do enriquecimento ilícito no exercício do poder?

Se o 25 de Abril devolveu a esperança ao povo português, amarrado numa longa ditadura, cumpre questionar se a libertação da mesma nos guindou onde desejámos ir, pela via da democracia, ou se, pelo contrário, se travestiu de senhora séria, parecendo o que não é?

Antes fosse como a mulher de César, sendo sem parecer.

Mas nestes tempos do primado da imagem e do marketing, em que a forma supera largamente o conteúdo, a essência perde-se nos meandros do poder e da sua busca incessante. Com o risco acrescido de tal como na Roma de César, a conspiração mate a democracia às mãos de um qualquer Marco Bruto.

*Artigo publicado na edição de maio do Jornal de Cá.

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