A vacina da estupidez

Opinião de João Fróis

Defendo a vacinação. Em primeira instância, por opção e aconselhamento médico, com o bom senso e sentido maior de proteção dos pais para com os seus filhos. Mas na falta destes, como se tem vindo a observar neste mundo de loucos, defendo a obrigatoriedade da vacinação. E explico porquê.

As vacinas são uma vitória da ciência e da evolução humana. Permitiram-nos sobreviver aos males de imensas doenças que mataram aos milhares e deixaram outros tantos incapacitados. Permitiram que as crianças pudessem crescer saudavelmente, e sem preocupações de a qualquer momento serem tombadas por um vírus oportunista e que em epidemia ganhasse as forças de uma peste medieval. Deram-nos segurança, qualidade de vida e esperança em poder ter uma vida em crescendo, longe das negras asas da morte que, ao longo de séculos, matou milhares de crianças e jovens sem que nada a impedisse de dizimar o futuro desses inocentes.

A ciência deu-nos vida e esperança, garantiu-nos algo que durante séculos foi um sonho; podermos ver crescer os nossos filhos em segurança. E viver num país que nos garante um plano nacional de vacinação gratuito é um enorme ganho na qualidade de vida e no seu garante. Mas convém lembrar que não é assim no mundo e que o agora novamente tão propalado sarampo continua a matar ao ritmo de 130 mil almas por ano.

Ora neste mundo cada vez mais global, com pessoas em constante movimento, é uma evidência que haja riscos de contágios entre pessoas que vivem em países com planos e sistemas de saúde diferentes e assim, com níveis de proteção igualmente diversos. Harmonizar a proteção é um imperativo global para a segurança coletiva. Mas a polémica não surge tanto aqui mas ao nível das liberdades individuais, tão “na moda” quase anarca de estar contra tudo o que a normalização, tida como diabólica, dite.

O mundo vive constantemente num equilíbrio precário entre liberdade e segurança. E vivemos tempos em que, pela ameaça constante do terrorismo, a segurança vai impondo limites à liberdade. Na circulação, no acesso, no controlo e no medo. Para haver mais liberdade a segurança tem de ceder e no seu contrário são impostas constrições que colidem sempre com valores que defendemos. Mas na liberdade há sempre questões éticas que se colocam e que devem, a todo o tempo, ser postas em causa. A velha máxima de a “liberdade individual terminar onde começa a do outro” é uma verdade absoluta e tem de valer em toda a sua dimensão. Vem isto a propósito da vacinação e dos direitos individuais de a recusar. Eu digo-o sem pejo, recuso terminantemente que esse seja efetivamente um direito a defender. Pois colide com os direitos de proteção da vida de todos os outros. Uma coisa é querermos ser vegan, escolhermos um determinado clube ou religião, decidirmos viver sem internet ou em tendas. Nada disso colide comigo ou outrem e está na esfera das múltiplas escolhas em liberdade que cada um pode ter na e para a sua vida. Algo bem diferente é querer decidir por não se vacinar a si e aos seus. Porque aí nos transformamos em bombas humanas, com um perigo potencial para todos os demais que connosco partilham espaços e que pode originar surtos epidémicos e com resultados trágicos, como a recente morte de uma adolescente veio, infelizmente, provar.

As vacinas são algo precioso e que todos devemos defender e tomar, para o nosso bem e para o de toda a comunidade. Entendo que é um dever maior de cidadania. E que deve ser obrigatório, pois continuar a deixar ao bom senso dos pais parece-me, além de perigoso, uma evidente asneira tal a insanidade social que se tem vindo a revelar em absurdos e reiterados exemplos. Vivemos tempos do “eu isto e eu aquilo”, em que o individualismo assume contornos aberrantes e nos transporta para tempos onde não queremos voltar, enquanto sociedade. Defendo como poucos que todos possamos ser livres num mar de situações, sem preconceitos, sem juízos nem falsos moralismos e pudores. Defendo a liberdade sexual, os LGBT e a igualdade de género. A paz entre povos e religiões e o respeito pelas suas naturais diferenças. Mas não posso nem devo ceder perante uma atitude que me coloca a mim e aos meus, assim como a todos em geral, em risco de vida! Nisso sou absolutamente contundente e não aceito que essa dita liberdade de alguém – de optar por não se vacinar a si e seus – ponha em causa a minha vida e a dos meus. Porque é disso que falamos e não tenhamos dúvidas nem incertezas. E que dizer de um desses pais que opta por não vacinar um dos seus filhos e este vem a morrer de uma doença que uma das vacinas do plano nacional oferece a todos? Eu entendo que é um homicídio por negligência e, como tal, deve ser tratado. Haverá atenuantes em alguns casos é certo, por razões várias, mas têm de ser vistas como exceções, a tratar no caso concreto, e não como regras.

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O Estado tem de assumir estas questões maiores como princípios inalienáveis e fazer da vacinação um ponto de ordem, legal e imperativo. Para o bem de todos. Porque infelizmente, a ciência tem vindo a trazer-nos novas vacinas mas ainda não conseguiu produzir uma eficaz para combater um dos enormes males deste mundo, a estupidez!

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