Opinião de João Fróis
O mundo é um lugar violento. Foi assim que entre impérios e conquistas épicas se foram gizando as fronteiras atuais e que entre avanços e recuos foram sempre manchadas a sangue, tantas vezes inocente, dos que deram literalmente o corpo em prol de nações e do seu devir.
Mas sempre houve uma violência calada e que até aos dias de hoje tem subsistido nas sombras do silêncio e nos negrumes do medo, a violência sobre as mulheres. Durante séculos e principalmente após a queda do império romano que o papel feminino foi sempre subalterno, fechado e sofrido. Entregues às lides da casa e ao papel de mães, foram lutando e sobrevivendo a um mundo duro, hostil e violento, guerreiro e másculo que sempre ditou todas as regras e as geriu a seu belo prazer.
Foi assim até há poucas décadas e ainda vão subsistindo lamentáveis episódios de quem parece não aceitar a evolução dos tempos e a incontornável lei da igualdade de direitos. Sem exceções.
Os números da violência doméstica, no mundo em geral e em Portugal, em particular, envergonham-nos enquanto sociedade. Dezenas de vítimas mortais todos os anos e que na última década chegam a uns dramáticos 580 homicídios em terras lusas.
Mulheres que tantas vezes sofreram caladas anos a fio de maus tratos. Que por medo nunca ousaram denunciar a barbárie que as tolhia. Que para proteger os filhos davam o corpo senão às balas, às agressões de toda a espécie e que outras tantas vezes acabava em morte.
A esperança reside nas associações que congregam as vítimas e as apoiam e nos movimentos que promovem a consciencialização de um problema que insiste em se perpetuar.
Para tal a lei é tristemente cúmplice. Por ter molduras penais brandas e permissivas e que levam a interpretações preconceituosas e inaceitáveis de moralistas de toga, que com os seus juízos censuráveis permitem que o crime continue a compensar.
Com a mesma ligeireza com que se acusam mulheres vítimas de violação de terem “incentivado” a mesma por simplesmente vestirem peças de vestuário que “incitam” ao estupro ( pasme-se ), também as repetidas não condenações de facto dos agressores levam a mais violência e a homicídios que de outra forma seriam evitáveis.
Muito há a fazer é certo. Mas a alteração legislativa, com o endurecimento da moldura penal e a resposta efetiva e sem hesitações das autoridades policiais às denúncias de maus tratos, são determinantes e urgentes.
Temos de perceber que os agressores vivem em registos morais e emocionais muito diferentes dos nossos. Ouvir um agressor condenado a gritar a plenos pulmões, após ter assassinado a ex-companheira “ não é minha, não é de mais ninguém” revela muito do distúrbio psicossocial em que estas mentes vivem. O sentimento de posse sobre a mulher, como se de um objeto ou adorno se tratasse, com a agravante da componente sexual e respetivas pulsões, revela realidades que tantas vezes preferíamos ignorar mas que transtornam milhares de vidas e fazem terminar abrupta e violentamente muitas delas. Na sua grande maioria mulheres mas também crianças, igualmente inocentes face à barbárie.
Defendo mão pesada para toda e qualquer violência social.
O pior que temos feito é contemporizar e permitir aberrações como crianças vítimas de violência terem de voltar a viver com os pais agressores!!, e mulheres vítimas de violência terem de continuar a viver no medo após a denúncia, sob pena de pagarem com a vida a ousadia da acusação.
Não é de todo tolerável continuar a aceitar esta criminalidade abjeta, esta permissividade intolerável das instituições e autoridades que deveriam em primeira linha proteger os cidadãos e todos os que são objeto de ameaças e dolo.
Finalmente vemos governo e presidente da república e trazerem esta realidade para as prioridades do estado. Esperemos que traga rapidamente efeitos benéficos e ajude a parar esta vergonha tão incompreensível como inaceitável. Haja esperança. E coragem! Bem hajam todas as mulheres que denunciam e lutam pelo fim da barbárie.
*Artigo publicado na edição de dezembro do Jornal de Cá.