Ainda sobre a política em tempos de indignação

Por Elvira Tristão*

Vivemos tempos de indignação face à política, que é fraca, vive da incerteza e está permanentemente exposta, como afirma Innerarity , defendendo que melhoremos o sistema democrático. Ao invés de miná-lo com um perigoso desprezo pela política e pelas ideologias, através do desabafo improdutivo, Innerarity** apresenta pistas para a melhoria da participação política e apresenta razões para o “estado a que chegamos”, citando Salgueiro Maia. O ataque aos políticos e aos partidos tem vindo progressivamente a ser levado a cabo por poderosos agentes económicos associados aos impostores dos meios de comunicação. O enfraquecimento da política serve, assim, interesses conflituantes com os sistemas democráticos, únicos capazes de dar voz e poder a quem não o tem.


De algum modo, os partidos políticos também são responsáveis pela crise da democracia, porque, muitas vezes, não zelam pelas suas principais funções: a representação, o recrutamento de quadros competentes para governar, e o reconhecimento dos cidadãos como atores políticos. Ultimamente, assistimos à proliferação de partidos espontâneos que deixaram de ter eleitores e passaram a ter uma mistura de hooligans e clientes. Mas também os ditos partidos do sistema são, não raramente, palco desse tipo de comportamentos e lógicas de ação.


Apesar disso, não acredito na democracia sem partidos, uma vez que a ideologia é a defesa de princípios constitutivos de uma sociedade idealizada, e defendo a participação político-partidária assente numa matriz ideológica e expurgada de interesses sectários.


Acredito que a política é uma atividade que se pode melhorar e, ou fazemos melhores partidos, ou entraremos num perigoso espaço amorfo ocupado por tecnocratas e populistas. Defendo também que para melhorar a política, neste tempo que é de complexidade, precisamos de encontrar equilíbrios de poder entre o povo, os especialistas, os partidos e os movimentos sociais.


Para alcançar esses equilíbrios na defesa do sistema democrático, obrigatoriamente pluralista, é essencial o papel da palavra. Falar aos cidadãos é o principal sinal de respeito: a palavra para comunicar com os cidadãos, reconhecer a sua voz, abrir expectativas de futuro e transformar a realidade, com também afirma António Nóvoa.

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E, para além do exemplo e das medidas governativas (as chamadas políticas públicas), é através da palavra que se defendem agendas políticas, se fazem propostas de melhoramento do bem comum, e se confrontam diferentes formas de organização da sociedade. Em democracia, defende-se, pelo uso da palavra, a melhoria das condições de vida dos cidadãos a partir de um conjunto de princípios ideológicos. Isto acontece nos parlamentos, nos órgãos deliberativos e nos órgãos executivos pluripartidários (como as câmaras municipais), e também no espaço público (media e redes sociais incluídas).


Para além de orientarmos com coerência e honestidade a nossa vida pessoal e as nossas ações públicas, o grande desafio é usar a palavra para o confronto de ideias e propostas de medidas de governo (locais, nacionais ou supranacionais) com diplomacia. O essencial, quando estamos na vida pública, é que o façamos nos fóruns políticos em que representamos os nossos eleitores, em vez de alimentarmos a fogueira da intriga, do desabafo e da indignação improdutivos e lesivos à política.


Se queremos cidadãos interventivos na vida política –nos atos eleitorais ou através de outras formas de cidadania política – temos de começar por dar o exemplo e usar da palavra para comunicar o que realmente nos importa a todos. Façamo-lo no dia-a-dia e usemos a atual circunstância política – a pré-campanha e a campanha eleitoral para as legislativas, em outubro. Quem tem participação político-partidária terá de comunicar com os cidadãos para ouvir a sua voz e fazer propostas de futuro que correspondam às suas espectativas, no encontro entre as necessidades de um coletivo e os princípios ideológicos que defendemos. Para concluir, reforço o repto para que o façamos com diplomacia, na defesa das nossas propostas e não no ataque pessoal aos nossos opositores.

*Autarca, dirigente local e regional do Partido Socialista

**Daniel Innerarity, (2016), “ A política em tempos de indignação”, D. Quixote

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