Algarve, o deserto português
Para quando um país a investir no que realmente importa? Ou só iremos acordar quando o Algarve for já uma extensão de Marrocos, com o deserto aos nossos pés? Invictamente, por João Fróis
Temos tido um outono e início de inverno com boa pluviosidade, mas somente a centro e norte, com as albufeiras cheias e com total recuperação dos níveis de secura extrema recentes. No Algarve a situação continua, no entanto, dramática, com as principais albufeiras em níveis de verão e com reservas para apenas alguns meses.
As alterações climáticas, independentemente da sua origem ser mais ou menos humana, são um facto indesmentível e os fenómenos extremos agudizam-se. Verões mais quentes e com recordes de temperatura, invernos mais curtos e menos frios mas com episódios extremos como o que afetam a europa central e norte por estes dias, com nevões épicos e picos negativos que superaram os 40º negativos na Escandinávia.
Na península ibérica, com um clima misto de atlântico e mediterrâneo, a escassez de água é há muito mais que uma preocupação, uma realidade. Mas enquanto a vizinha Espanha, mais quente e seca, há muito elaborou um plano de transvases entre bacias hidrográficas para obstar à secura extrema da região do Levante, por cá continuamos a assistir á desertificação do algarve e baixo Alentejo e pouco temos feito para inverter esta tendência dramática. O efeito Alqueva tem as suas limitações e não consegue responder a todas as solicitações da região, sejam na agricultura, a grande consumidora do precioso líquido, seja no consumo humano.
Se o plano de transvases espanhol sempre gerou muitas críticas, pelo efeito de secagem que está a provocar na bacia do Tajo, a denominação vizinha para o também nosso Tejo, a verdade é que desde que a ligação Tajo-Segura foi implementada em 1979, a outrora semi-desértica região do Levante transformou-se na horta de Espanha, com milhares de hectares de regadio e estufas que produzem para o mercado interno e para exportação. Com a escassez de pluviosidade da bacia do Tajo os problemas deste transvase agudizam-se e podem comprometer esta ligação artificial e a sua efetividade, mas noutros casos o sistema continua fluido, como são os casos da Bacia do Ebro, a montante em Besaya, de 1982 e a jusante, em Tarragona, de 1989. Mais recente e claramente a aproveitar o efeito Alqueva, a ligação Guadiana – Guadalquivir pretende alimentar a bacia deste importante rio que abastece cidades como Córdoba e Sevilha e onde existem olivais a perder de vista.
Por cá a chuva continua felizmente a cair em bom ritmo a centro e norte e ainda ontem, em viagem, passei sobre o rio Vouga e o alagamento dos terrenos em volta fez logo pensar na secura que o algarve vive e no contraste gritante entra esta abundância e desperdício no distrito de Aveiro e a dramática escassez 500 quilómetros a sul no distrito de Faro. Houvesse um sistema de transvases entre bacias e poderíamos aproveitar a água que a norte flui para o mar e deslocá-la para as albufeiras do Sul do Alentejo e Algarve.
Fala-se muito em projetos estruturais em Portugal, construíram-se autoestradas em catadupa e muitas delas pouco tráfego têm, continuamos a falar no novo aeroporto de Lisboa ao fim de 50 longos anos e a alta velocidade ferroviária só agora está em projeto e fase de arranque, quando na europa já existe desde os anos 70 do século XX. Estes atrasos refletem as inércias de planeamento e prioridades neste país e são tão mais preocupantes face ao curso do tempo e aos problemas acrescidos que as alterações climáticas trazem e que são já uma realidade com a qual temos de aprender a viver.
Pensar em criar um sistema de transvases das bacias do Douro e Vouga para as do Tejo, Sado e Mira, parece mais que uma boa ideia, uma inevitabilidade. As já tão faladas centrais de dessalinização podem ser igualmente uma solução a aplicar, mas não terão capacidade para debelar as imensas necessidades que a região sul já tem e mais virá a ter num futuro próximo. Afinal sem água não há vida e termos na região mais seca do país as maiores infraestruturas turísticas nacionais, é um paradoxo e em breve um enorme problema que só as ditas centrais de dessalinização poderão de alguma forma atenuar.