Rui Rio trouxe até nós uma proposta que merece a nossa melhor atenção, para lá dos radares políticos da origem, apelidada de “política para a infância”. Em traços gerais esta proposta visa apoiar a natalidade, com base na análise das reais condições que as famílias portuguesas têm para criar os seus filhos, atribuindo um subsídio anual a cada criança desde o nascimento até que complete 18 anos.
Independentemente da condição social e de acordo com o indexante de apoio social (IAS), o apoio é distribuído consoante as fases de crescimento e desde a gravidez, perfazendo valores próximos dos 10 mil euros por cada criança no decurso da sua infância até à idade adulta. Paralelamente, e de modo a colmatar uma lacuna de sempre no nosso país, propõe a criação de creches estatais gratuitas a partir dos seis meses de idade. Também a licença de maternidade/ paternidade é aumentada de 20 para 26 semanas.
Estas propostas vão de encontro a um desafio premente da sociedade portuguesa, o de assegurar a renovação geracional e a sustentabilidade económica do estado e, em particular, da Segurança Social, imprescindível no apoio às camadas mais desfavorecidas, nomeadamente aos idosos.
Na verdade somos cada vez menos. Nasce-se bem abaixo do limiar necessário para que a população se possa renovar. Se em 1981 a taxa bruta de natalidade era de 15,5 nascimentos por cada mil habitantes, em 2016 esse número caiu para uns preocupantes 8,4 nascimentos, uma queda de abrupta de quase 50 por cento em 35 anos. E se a taxa bruta de mortalidade é estável, nos 10,7 por cada mil habitantes, já a esperança de vida tem vindo a aumentar gradualmente, situando-se em 80,6 anos, em 2015, com os homens a chegarem a uma média de 77,6 anos e as mulheres a uns valorosos 83,3 anos. Vive-se mais tempo, felizmente, mas as condições em que se vivem os últimos anos não é de todo a melhor para uma larga franja dos nossos idosos e reformados. O índice de sustentabilidade potencial dá-nos uma amostragem reveladora: se em 1960 o número de indivíduos em idade ativa por cada idoso era de 7,9, em 2011 esse numero caiu para uns dramáticos 3,5. Ou seja, em Portugal nascem cada vez menos crianças, vive-se mais tempo e existem igualmente muito menos trabalhadores ativos a assegurarem a sustentabilidade dos que já reformados dependem dos apoios estatais.
Perante este panorama nebuloso urge tomar medidas que apoiem as famílias a terem filhos e em número que possa atenuar, numa primeira fase e posteriormente parar a queda populacional que se tem vindo a verificar, imparavelmente nos últimos 40 anos. Se nada for feito, em 2050 poderemos ser apenas 8,5 milhões de portugueses. E, atualmente, os números só não são mais dramáticos devido aos fluxos de imigrantes que vieram e se fixaram no nosso país.
Portugal tem de repensar que país é e ponderar seriamente que país quer ser num futuro próximo. Continuar a entregar a renovação geracional aos ímpetos paternalistas que contra tudo conseguem ainda assim superar os muitos problemas que se põem a cada família que decide ter um filho, é entrar na (i)lógica do suicídio coletivo de um povo. Na verdade decidir ter um filho em Portugal é quase um ato de loucura. As mães trabalhadoras continuam a ser pressionadas face à ausência que a maternidade provoca e optam por ficar em casa o mais curto espaço de tempo para não arriscarem sequelas profissionais. Aos cinco meses ou têm avós disponíveis para ficarem com o bebé ou têm de entrar na roda viva das creches particulares e superar as listas de espera e os montantes pedidos, por vezes aberrantes e incompreensíveis num país onde a remuneração média se situa perto dos 800 euros brutos. O estado apenas disponibiliza uma rede diminuta de infantários a partir dos três anos, claramente insuficiente para as necessidades. Os abonos de família são irrisórios e não conseguem assegurar nem as mais elementares necessidades de uma criança, numa fase da vida em que toda a panóplia de produtos de alimentação, cuidados vários e vestuário é imensa e dispendiosa.
Ora face a este panorama, a notícia de uma real proposta de uma política para a infância que ajude a inverter a atual situação é muito bem-vinda. Esperemos que o estado queira e saiba aplicar boa parte dos recursos obtidos por uma das maiores cargas fiscais da UE para, no mínimo, assegurar que possam continuar a haver portugueses e com a dignidade que merecem. Assim seja.