As centenárias Novas Avenidas

Memórias do Cartaxo, por Telmo Monteiro

Após a reconfiguração que o Cartaxo verificou na sua zona central, onde outrora existia a Cerca do Convento, o início do Século XX foi uma época de expansão urbanística. Numa vila com uma malha urbana de ruas relativamente estreitas, são projetadas 2 avenidas, modernas, largas, com uma dimensão ousada para a terra, inspiradas nas Avenidas Novas em Lisboa. Desse projeto nasceriam as avenidas que mais tarde seriam batizadas com os nomes João de Deus e Mestre Cid.

Embora já existisse no local a Escola Primária nº 1, construída no início do século, e algumas casas na zona que se denominava “do Valverde”, toda a restante área era constituída por terrenos privados que impediam a expansão da terra para o lado sul.

Terá sido na 2ª metade da década de 1910 que este projeto arrancou, uma vez que no dia 14 de março de 1921 foi levada a cabo a expropriação, por parte de uma Comissão Executiva da Câmara Municipal do Cartaxo, de alguns dos terrenos em causa, mais precisamente os que ocupavam a área entre a Escola Primária, o atual Largo do Valverde e o armazém de vinhos de Joaquim Jacinto Ferreira com a sua casa em frente. Os mesmos eram pertença de D. Izabel Virgínia Ribeiro da Costa, António José Ribeiro da Costa e Manuel Izidro Ribeiro Ferreira da Costa. De registar que neste caso tudo terá sido processado de forma amigável, pois de acordo com uma planta arquitetónica, em estado não aceitável para ser aqui reproduzida, e assinada pelos intervenientes, a maioria desses terrenos foram cedidos à Câmara Municipal de forma gratuita, na altura presidida por António Mesquita.

 

No entanto, essa terá sido apenas a primeira fase do Projeto que levaria ao nascimento das “Novas Avenidas”, pois de acordo com outras 2 plantas do projeto, de data posterior, a zona entre a Escola Primária e a então denominada Rua dos Eucaliptos (atual Rua 16 de Novembro), estava dividida por 4 proprietários: António Ribeiro da Costa, com uma área de 5.048,50 m² com vinha plantada, Augusto Pêgo também com vinha numa área 4.845,00 m², José Travado, que tinha 870,00 m² de terreno agrícola, e uma senhora que, como era típico do machismo institucionalizado da época, é apresentada apenas como a “viúva de José Pinho”, possuía uma área de 442,50 m². Registe-se ainda um terreno baldio, de 729,00 m², pertencente ao Estado e um outro nas traseiras da escola, pertencente a Manuel Izidro Ribeiro da Costa.

Embora não haja informações concretas, tendo em conta que a restante área foi expropriada de forma amigável, o mesmo não terá acontecido nesta zona mais próxima da Estrada Nacional, razão pela qual terão sido desenhadas estas plantas pormenorizadas.

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O Presidente da Câmara Municipal do Cartaxo, como referido acima, era António Mesquita, também ele um abastado proprietário agrícola, que auxiliado pelo então vereador Júlio Augusto Marques, terão sido os maiores responsáveis pela execução destes processos de expropriações e posterior projeção do traçado das avenidas, entre os anos de 1922 e 1925. Estas, como já referido, eram de uma escala ambiciosa para a dimensão da terra, o que denota a ambição de, além de ampliar, modernizar e embelezar o Cartaxo, com as suas árvores no centro das suas largas estradas. Árvores que como sabemos, a posterior modernidade achou por bem deitar abaixo.

Nasciam assim as “Novas Avenidas”, batizadas Av. João de Deus e Av. Mestre Cid, dois nomes ligados à educação, a que não será alheia a existência da Escola Primária e de ser um tema muito importante para o ideário republicano, que apostava em força na educação da população como forma de desenvolvimento da sociedade.

Aos poucos estas avenidas foram-se desenvolvendo, com a construção, no cruzamento de ambas, de diversos edifícios (adega, armazém, casa de habitação) na propriedade do empresário de vinhos Alfredo Leal, ainda hoje existentes. Na Av. João de Deus, o referido vereador Júlio Augusto Marques, também construtor civil e mestre de obras, aproveitava o novo espaço vazio para publicitar, através de orçamentos grátis, a possibilidade de construção de edifícios em estilo Arte Nova para quem pretendesse ir morar para aquela nova zona do Cartaxo. Existiu também um projeto para a construção, nesta avenida, de uma grande sede do Grémio Artístico Cartaxense, a qual não seria levada a cabo.

A vila do Cartaxo via assim nascer um novo polo urbano, onde em 1960 seria inaugurada a Casa do Povo e 10 anos depois o Pavilhão da Inatel.

Hoje em dia estas “Novas Avenidas” continuam a ser para o Cartaxo, um exemplo de modernidade, cujas dimensões e traçado, permanecem únicos na terra, 100 anos depois de terem sido inauguradas.

 

Plantas do espólio de Júlio Augusto Marques, cedidas por Maria Eulália Marques

Fotografias cedidas por António Nogueira Araújo

 

 

 

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