As Feiras Medievais: porquê?

Opinião de Ana Benavente

Há mais de 20 anos que assisto à multiplicação de feiras medievais em freguesias, localidades e, sobretudo, escolas. Com agrado das pessoas. Uma festa.

Interrogando a realidade, o que uma cidadã interessada deve fazer, tenho-me perguntado porquê. Não será, à 1ª vista, uma das fases mais “nobres” e democráticas da história. Se pensarmos nas civilizações romanas ou gregas, no Renascimento que sucedeu à longa Idade Média, com Leonardo da Vinci, período áureo do desenvolvimento das ciências e das artes, se pensarmos no mundo actual, com a sua rica diversidade cultural, da música às roupas, dos modos de vida à gastronomia (e muitos outros temas que atravessam o nosso passado e o presente), porquê a Idade Média?

A resposta mais óbvia é a da fundação da nacionalidade, a criação do Reino de Portugal. Será por isso? As feiras são diversas, pouco preocupadas com o rigor histórico, o que se compreende, com castelos, cavaleiros e princesas, com mercadores e “quadros” de época, em que já vi a reprodução de uma cena de “cabeças cortadas”, a que se achava graça.

Fui consultar várias obras sobre a Idade Média. Período longo, estende-se do sec.V ao sec.XV. Começou na Europa com as invasões bárbaras e termina com a retomada comercial e o renascimento urbano.

Os traços mais marcantes deste período são os seguintes: sistemas monárquicos, economia rural, supremacia da Igreja Católica, sistema de produção feudal, relações de vassalagem e todos os poderes jurídico, económico e político concentrados nas mãos dos senhores feudais. Ah, e a peste negra ou bubónica, terrível e mortal epidemia que devastou um terço da população europeia. Em Portugal, a epidemia teve graves consequências, tendo muitos camponeses fugido para localidades maiores, criando desemprego e situações de fome (isto por volta de 1349/1400), quase no final da chamada Idade Média.

Houve importantes revoltas contra os abusos de então, publicaram-se leis que ainda hoje sabemos de cor (a Lei das Sesmarias, por exemplo) e, num período tão extenso, há uma riqueza de acontecimentos felizes.

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Estudei na escola há mais de 60 anos: a nobreza (dona das terras e que cobrava impostos aos camponeses), o clero (Igreja Católica), responsável pela protecção espiritual da sociedade, e o povo (servos e pequenos artesãos). Sabemos – e a análise será sempre redutora, num tão vasto período histórico – que só os filhos dos nobres estudavam, que era a Igreja que detinha as escolas, que os filhos de camponeses eram analfabetos, que as Cruzadas contra os “infiéis” (sec. XI) duraram dois séculos e eram uma parte das guerras permanentes através das quais se obtinha poder. Os “mouros” foram sendo expulsos de Portugal e, os que ficaram, tinham o estatuto de servo não-livre (escravo, melhor dito). Já no sec. XV, além dos Mouros, que restavam, foram expulsos os Judeus e houve chacinas, algumas das quais assinaladas como, em Lisboa, no “Largo da Tolerância”, S. Domingos, ao Rossio.

Período extenso na história, foram-se, no seu final, criando condições económicas, sociais e culturais para o período do Renascimento que se lhe segue.

Alguma vez teria a ideia de celebrar este período da História, para além da criação de Portugal, sem destacar os aspectos mais críticos deste nosso passado? Não. Por isso me interessa tanto saber o que leva à profusão de festividades medievais.

Ah, e houve o Robin dos Bosques, que roubava aos ricos para dar aos pobres. Se existiu, dizem as enciclopédias que terá sido no sec. XIII. Não sei se aparece nas feiras.

Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.

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