9/11 que nos EUA é 11/9 pois eles colocam primeiro o mês e só depois o dia. Coincidentemente faz-nos recordar o triste e horrendo dia dos atentados nas torres gémeas. E que agora nos trouxe a bombástica notícia que será… Opinião de João Fróis
9/11 que nos EUA é 11/9 pois eles colocam primeiro o mês e só depois o dia. Coincidentemente faz-nos recordar o triste e horrendo dia dos atentados nas torres gémeas. E que agora nos trouxe a bombástica notícia que será Donald Trump o próximo presidente do País continente. Mas será assim tão estranho e inesperado? Entendo que não. E passo a elencar algumas das razões que nos trouxeram até este dia e as lições que podemos para já retirar. Vejamos então:
Obama
Barack Obama foi o 1º presidente afro-americano e foi eleito por duas vezes, por uma maioria sustentável de votos e com o élan do seu charme natural e da sua bonomia e propósitos bem aventurados de unificar a América, englobando as suas minorias e dando-lhes as mesmas oportunidades. O famoso “yes we can” foi perdendo fulgor face a uma crise internacional impiedosa e a uma globalização galopante que tirou a força necessária para poder implementar as reformas sociais que defendia. Pelo meio confrontou-se com as barreiras da América profunda que não tolera perder regalias para emigrantes e não aceita pagar para um sistema de saúde global, preferindo o habitual egocentrismo individualista do “tens dinheiro logo pagas e acedes, não tens desenrasca-te”. A indefinição da política internacional e presença militares nos pontos quentes do globo também não ajudou nas hostes militaristas e securitárias, tipicamente republicanas e por fim, o esforço meritório em quebrar o fechamento a Cuba, despertou o medo de novas vagas de emigrantes a desequilibrar mais ainda as já parcas oportunidades para os verdadeiros americanos. Obama foi o presidente que o mundo queria e gostava e não tanto o que os americanos queriam para defesa dos seus interesses.
Hillary
Profundamente enraizada na política e no establishment, nunca se conseguiu dissociar dos seus males e do fosso crescente dos revoltados com a política e os seus constantes fracassos, face às repetidas promessas de melhoria da qualidade de vida do americano médio. Com um discurso pouco atrativo e marcante, tornou-se presa fácil dos ataques bem direcionados por Trump e que foram levados ao limite na questão dos emails privados. Donald sabia que a questão não era tão grave que pudesse fazer cair a sua adversária mas sabia que as notícias repetidas sobre o fantasma da corrupção poderiam ser letais. Jogou forte e colheu. Clinton nunca conseguiu guindar-se com a aura de ganhadora, por mais que as sondagens lhe dessem a vitória. Sempre foi politicamente correta, não agitou nem fraturou questões essenciais que decidem votos. E nem o facto de ser mulher jogou a seu favor num País que continua a ser machista e altamente preconceituoso. Recorde-se que apenas nos anos 20 do século passado votaram as primeiras mulheres nos EUA.
Sistema eleitoral
Os EUA elegem com base em grandes eleitores. O que leva a que quem ganhar o Estado fica com todos os seus votos! Foi com base neste sistema polémico que George W. Bush derrotou Al Gore, o mais votado e que agora conhece novo episódio com Hillary a ser igualmente a mais votada mas que perde em número de grandes eleitores, por ser derrotada nos estados principais e que decidem a votação final. É o sistema vigente e que ambos os candidatos aceitaram como legítimo. Como tal é válido e legitima a presidência.
As sondagens
As cadeias de televisão e empresas de sondagens foram das grandes derrotadas deste eleição. Perderam em toda a linha aos pés de um Trump que foram massacrando e hostilizando sucessivamente. Partiram de bases fracas e pouco representativas e ignoraram o voto envergonhado que nunca se assumiu e quis participar nestas sondagens, imagem de marca do sistema que queriam denunciar. Foi uma monumental rasteira aos media e aos seus jogos de influências. No limite, as sondagens levaram Hillary à derrota, ao criar a falsa sensação que estava ganho à partida e que poderá ter levado uma franja dos seus apoiantes a não ir votar. Na era da informação digital as televisões perderam poder de influenciar e isso deve estar a gerar grandes mudanças nas máquinas operacionais que as movem.
A América
Os EUA são um país sui generis. Formado por emigrantes britânicos, franceses e holandeses, foi sendo construído na base do oportunismo e da lei do mais forte, personificada no revólver, assunção individual dos novos conquistadores das terras por desbravar e onde “só” havia índios selvagens! A lei da bala impôs-se na administração rápida da justiça desse mítico farwest onde o “olho por olho” ditou as regras dos mais fortes. O músculo da nação cresceu assim e a vertigem de agarrar as oportunidades de uma nova vida longe da miséria que arrasava a velha Europa a braços com peste e fome, entrou fundo no ADN deste povo singular. A segregação branca face aos povos indígenas estendeu-se aos negros levados como escravos para os imensos campos agrícolas do sul, elitista e preconceituoso. A famosa guerra norte-sul abriu brechas imensas que ainda hoje separam o norte industrial e mais educado do sul e centro mais provincianos e menos letrados. Por fim as vagas crescentes de hispânicos vindos sobretudo do vizinho México foram engrossando os subúrbios dos desprotegidos, sendo mão de obra da construção das redes viária e de caminho de ferro do imenso continente norte americano. Após o boom industrial do séc. XIX e do agigantar face à Europa quando esta claudicou na 2ª grande Guerra mundial, o investimento em poderosas indústrias metalúrgicas de base, fez dos EUA a 1ª grande potência do planeta. Multicultural, segregada e desproporcional mas poderosa e militarmente ativa na defesa do mundo face à ameaça soviética. Só as crises petrolífera e mais tarde do subprime foram retirando fulgor a uma economia que nas suas bases tradicionais não soube reconverter-se e adaptar-se aos novos tempos. A siderurgia e indústria automóvel de Detroit foram caindo a pique e o fosso paradoxal face a um fulgurante Silicon Valley acentuou o gap brutal entre estas américas tão diferentes entre si. Foi nestas divisões que Trump entrou “a matar”, certeiro e implacável, a cavalgar os desejos profundos dos apelidados angry white, os homens brancos conservadores e saudosistas do american dream e desiludidos com o sistema político vigente e a sua falência.
Trump
Conhece-se hoje um pouco mais deste self made man que personifica como poucos o american dream e o sucesso individual. Com um milhão investiu forte no imobiliário e, por quatro vezes, faliu e outras tantas se reergueu. Com a ajuda dos media onde aprendeu a dominar o mainstream, marcando pontos como o famoso decisor que despedia em direto candidatos. Apostou no jogo, em restauração e diversificou o risco. Tornou-se multimilionário e escreveu livros, conquistando o respeito como opinion leader muito antes da imensa vaga de escritores de auto ajuda e com soluções para tudo e todos. Evoluiu fora do sistema, que sempre criticou e foi criando uma aura de poder económico bem ostentando na Trump tower em plena N.York. Foi lidando com diferentes realidades e cedo percebeu o País onde cresceu, casou por várias vezes e foi tendo filhos. Sentiu as suas divisões, conheceu as suas fragilidades e foi cimentando o desejo de quebrar o sistema, ousando candidatar-se à Casa Branca. Venceu primárias, derrotou candidatos atrás de candidatos e perante um partido conservador e que não o apoiava soube impor-se pela força esmagadora dos votos que ia granjeando junto das imensas hostes de descontentes e que não se reviam na pacífica e pouco arrojada Hillary Clinton. Com um estilo truculento e desafiador foi baralhando os analistas, criando fraturas na multiétnica e imensamente heterogénea América, cativando os mais descontentes, arregimentando os adormecidos, seduzindo os sequiosos de poder e atenção mediática. Disparou em várias direções e não poupou ninguém ao veneno das suas críticas mordazes mas, com esta aparente falta de tática, mostrou dominar as correntes de opinião e o modo como se formam no seio das comunidades. Conquistou espaço entre as mulheres que não se reviam em Hillary, entre os negros que antes estiveram com Obama e mesmo entre alguns hispânicos, entretanto americanizados e já longe das suas raízes pobres. Agitou, rompeu, sustentou, seduziu e ganhou. Tal como foi sempre assumindo que iria fazer! Esta crença também contribuiu para a certeza dos votantes.
O futuro
É ainda uma incógnita o que se irá passar a partir de Janeiro mas é certo que nada será como dantes. Crê-se que uma vez eleito Donald descerá à terra e saberá gerir as várias correntes dentro do partido republicano e que nunca o apoiaram, antes aprenderam a aceitar. É sabido que o sistema de filtragem que opera entre o Senado, a Câmara dos representantes e o supremo tribunal de Justiça leva a que muitas das promessas eleitorais caiam por terra e sejam domesticadas nestes caminhos estreitos de aprovações e conluios políticos entre fações e senadores tão díspares entre si. A Europa e o mundo em geral esperam agora que este sistema funcione e limite os potenciais devaneios e perigos com que Trump nos foi assustando na campanha. Foi assim com todos os seus antecessores e espera-se agora que também o possa ser. Mas se Obama tinha contra si a maioria de republicanos nestas câmaras, Trump tem agora essas maiorias prontas a serem seduzidas a favor dos seus argumentos. Os dossiês polémicos são muitos e acredito que a reação aos primeiros a serem lançados írá ditar muito do empenho e acutilância nos que se lhe seguirem. Os muros a serem lançados terão de ser bem geridos para não se tornarem eles mesmos na prisão ilusória das falsas promessas que tanto apregoou. Haja fé e nervos de aço para gerir os ventos que nos irão chegar do oeste.
O Mundo
Os mercados começaram a reagir mal a esta eleição e não se prevê que seja diferente nos próximos tempos. Putin sorri no Kremlin, sabendo que ganha espaço na sua estratégia imperialista e que tão bem está a dar frutos na Síria. Com Trump preocupado em agradar entre portas e em fechar fronteiras, a política externa será menos diplomata e mais segregada e distanciadora dos perigos vindos do mundo árabe e afins. Putin irá cavalgar esta menor presença afirmando-se como a grande alternativa como garante da ordem internacional.
Na China as preocupações serão sobretudo económicas, na gestão do investimento externo americano e na eventual saída de empresas e fundos, reorientados para o prometido ressurgimento da indústria americana e dos consequentes postos de trabalho que vão faltando a quem votou em si, na esperança de os voltar a ter.
A Europa, com vários problemas na manutenção da união, e em gerir as viragens à direita que ameaçam essa estabilidade, tem o problema dos refugiados por resolver e a gestão das crescentes divisões sociais e regionais face a estas ameaças vindas de fora. Também já há muros na Hungria e aventam-se outros nos Balcãs. A relação com os EUA quer-se pacífica e sem grandes alterações que ainda possam desestabilizar mais a unidade já de si precária da ferida UE. Pelo meio muito há em curso, entre a ofensiva aberta contra o Daesh, a questão Síria e todas as implicações diretas e indiretas desses conflitos em Israel, Irão e Turquia, num xadrez geopolítico complexo e onde a Arábia Saudita terá também uma palavra a dizer. Atentemos à evolução no mundo.