As origens do desporto no Cartaxo, desde 1912

Bagos da Memória, por Pedro Gaurim

Pedro Gaurim

A 6 de Abril de cada ano celebra-se o Dia Internacional do Desporto para o Desenvolvimento e a Paz, dia escolhido por ser o dia em que se iniciaram os Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896. O dia foi promovido pela ONU desde 2004. Portugal tem especialistas em História do Desporto, mas na generalidade, ainda falta o culto da História Desportiva, que nos pode dar uma perspectiva de evolução, entre o que fomos, o que somos e o que podemos ser. Muito ainda está por fazer, sobretudo na dimensão local da História do Desporto, embora alguns concelhos tenham já as suas sínteses (Redondo, José Calado, 2012; Lousada, Luís Ângelo Fernandes, 2015, etc.)

O Cartaxo tem algumas fontes documentais, interessantes como ponto de partida para desenvolvimentos. No Boletim das festas do trabalho de 1 de Maio de 1937, é referido que o Desporto no Cartaxo nascera há cerca de 25 anos, pelo que podemos situar o ano de 1912 como o nascimento do Desporto no Cartaxo, sendo as primeiras modalidades, o futebol e o ciclismo, o mesmo ano em que Portugal se estreia nos Jogos Olímpicos (Estocolmo). Em 1937, o ciclismo local já tinha conseguido triunfos significativos, com cartaxeiros a representar e a dar triunfos a grandes clubes: José Maria Nicolau (15-10-1908/25-8-1969), (Sport Lisboa e Benfica) e Alfredo Trindade (Sporting Clube de Portugal, União Clube Rio de Janeiro, Velo Clube “Os Leões” de Ferreira do Alentejo e Clube de Futebol “Os Belenenses”), José Marquez (Clube Atlético de Campo de Ourique), Aníbal Firmino da Silva (Grupo Sportivo de Carcavelos), Manuel de Sousa (Sport Lisboa e Benfica), Ezequiel Lino (Sporting Clube de Portugal), Santos Duarte (Sport Lisboa e Benfica, Sporting Clube de Portugal e Clube Atlético de Campo de Ourique) e José Conceição Balreira (Sporting Clube de Portugal), aos quais acrescentámos, tanto quanto possível, os clubes que representavam.

Nessa notícia também se destacavam outros nomes e modalidades exercidas no Cartaxo ou fora, por naturais da terra ou designados filhos adoptivos. São os casos de Luís Infante da Câmara, filho adoptivo do Cartaxo, na modalidade de tiro a Chumbo; Bernardino Nogueira, Tenente da Aviação Naval, autor de fotografias aéreas, do qual publicámos uma fotografia aérea do Cartaxo no ano passado; Manuel Soares Mendes no automobilismo e Tiago Ribeiro, Manuel Nogueira e David Araújo no atletismo.

Sem intenção de privilegiar atletas e modalidades com mais informação, referimos que Luís Infante da Câmara, referido como campeão nacional na referida modalidade, tinha sido vencedor do Grande Prémio de Lisboa de Tiro aos Pombos em 1930 (ver foto) e viria a ser agraciado com a medalha de mérito desportivo em 1960, atribuída pela Presidência da República, através da Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesas.

Mas temos de recuar às edições do jornal “O Pintassilgo”, publicado no Cartaxo entre 1924 e 1925 para alguns detalhes. De facto, nessa época, o Estrela Futebol Clube Cartaxense (EFCC) era o clube do Cartaxo e em quase todas as edições quinzenais, são referidos os jogos, as pontuações e alguma crítica desportiva.

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Entre a actualidade desportiva da época também se registou alguma história recente. A 1 de Novembro da 1924 foi recordado “António Duarte Jarego. Um nome que os desportistas do Cartaxo devem recordar”, considerado o grande impulsionador do desporto no Cartaxo, acompanhado com os falecidos António dos Santos, João Lourenço Coelho, Alberto Inácio Pereira, Feliciano Serralheiro e Manuel Carlos Alberto da Silva. António Jarego (1899 ou 1900 -1917) era irmão de Berta Jarego (1901-1980) e filho de João da Costa Jarego (1869-1949), fundador da célebre Latoaria Jarego, na Praça 15 de Dezembro, onde hoje está o Manel d’Água, sendo residentes no nº1 da Rua Batalhós. António Jarego organizava provas pedestres, de bicicleta e de futebol. Organizou o Sporting Clube do Cartaxo com os seus colaboradores António Correia dos Santos, Arnaldo Tristão, Raul dos Santos, António Nunes Pedreira, Jesuino Carvalho galinha, Rodrigo Raposo, João Gaspar, Artur Manuel Lopes, António Abreu, Sebastião Abreu, Alberto Inácio Pereira. Dissidentes deste clube primitivo, vieram a fundar o clube “Grupo Operário 5 de Julho”. Faleceu aos 17 anos a 29 de janeiro de 1917 e com o seu desaparecimento terminaram os dois clubes e é referido longo interregno, supomos, até à fundação do Estrela.

O campo do Estrela foi inaugurado nas Pratas a 6 de Abril de 1924 (O Pintassilgo, Abril 1925), o que, embora as vicissitudes do tempo e da história, vincula o sítio das Pratas a um centenário de tradição desportiva no Cartaxo, primeiro com o Estrela, depois com o Sport Lisboa e Cartaxo, fundado a 1 de Setembro de 1935, e a partir da década de 1990, com o Complexo Desportivo da Quinta das Pratas (andebol, basquetebol, ténis, natação, etc.) e com o Estádio Municipal inaugurado em 2005 e com capacidade para 2000 espectadores.

Nestas fontes de informação antigas é manifesto o desprezo, o desdém e a crítica que parte da população votava à prática desportiva, motivada, possivelmente, pelo facto de grande parte da população estar permanentemente ocupada de trabalho rural, braçal e fatigante, crianças em casa ao cuidado de familiares, serem cuidadores de familiares idosos, tratarem da horta, da capoeira, dos animais de transporte e das lides da casa ocupavam grande parte dos dias do ano e o pouco tempo livre que sobrava era dedicado ao descanso e aos deveres religiosos.

N’O Pintassilgo as notícias desportivas, num equilíbrio de prioridades, conviviam recorrentemente com manifestações de descontentamento sobre (des)conforto urbano da vila relativas à falta de electricidade, água canalizada, de edifício para o mercado municipal e de correios, aspectos resolvidos respectivamente, em 1928, 1935, 1948 e 1967, mas também, ao mau estado das ruas, ao deficiente ajardinamento da praça da Câmara e ao estado das retretes públicas, etc.

Com os aspectos pragmáticos conviviam mentalidades limitadoras da prática desportiva. Entre os que dispunham de tempo e estavam poupados aos trabalhos físicos, limitava-os aspectos psicológicos como o status, a imagem, a ideia de se exporem à competição, ao pó, à sujidade e à transpiração, num ambiente social, que, senão em actividade intelectual, convidava ao jogo, à conversa, ao fumo, à caça ou ao recato, numa época em que alguém na casa dos 30 já não era considerado novo e era raro longas carreiras desportivas.

Não tenhamos dúvidas que a mecanização e da agricultura, a proliferação dos serviços e das profissões de secretária, dos infantários e lares de idosos, da indústria alimentar, dos electrodomésticos, da rapidez dos transportes, da luz eléctrica e da água canalizada, etc., aumentou o tempo livre e a disponibilidade mental para o ócio, abrindo caminho à aceitação da prática desportiva.

A partir da década de 1930 a actividade desportiva no Cartaxo beneficiou a educação dos jovens, fosse pelo desporto escolar, iniciado tanto quanto sabemos, com a disciplina de Ginástica do Colégio Marcelino Mesquita, inaugurado em 1937, mas também com a Ginástica do Ateneu Artístico Cartaxense, já existente na década de 1950 (desconhecemos a origem), que inaugura a nova sede com o Ginásio a 28 de Novembro de 1970. A 16 de Outubro de 1960 inaugura-se o Circuito Ciclista do Cartaxo, ideia de José Maria Nicolau, constituído por 70 voltas ao jardim público, num total de 70 km. Também, o desporto da Casa do Povo do Cartaxo, que na década de 1960 tinha andebol, atletismo, ciclismo, corta-mato,  beneficiando da proximidade do pavilhão gimnodesportivo da FNAT, actual INATEL, inaugurado a 7 de Julho de 1969.

Pese embora estes 60 anos de iniciativas, o preconceito contra o desporto manteve-se, pontualmente, pelo menos, até à década de 1980, década a partir da qual começam a surgir novas associações e modalidades.

*O autor escreve segundo a antiga grafia.


Texto publicado na edição digital de abril do Jornal de Cá, que pode aceder aqui e ver todas as imagens.

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