O mais recente escândalo por terras lusas acorda os fantasmas que vão ensombrando esta nossa democracia muito mal frequentada. O agora conhecido caso da Raríssimas, uma associação sem fins lucrativos e com o único propósito de apoio social a crianças com doenças raras e incapacitantes, fica manchado por inúmeros abusos e que só a coragem jornalística de um canal de televisão permitiram tornar público.
Uma presidente arrogante e déspota vinha há muito a beneficiar do silêncio dos que perante sinais evidentes de abusos financeiros e usos inapropriados dos mesmos iam decidindo demitir-se a abandonar a instituição. Só agora, longe da mesma ousaram contar o que sabiam e que pelos vistos não é pouco. E desonra sobremaneira uma missão solidária e humanista que vive de subsídios estatais, ou seja, dos impostos de todos nós. Não quero de todo ser juiz mas os sinais são indesmentíveis e as provas incontornáveis. Usar dinheiros públicos para luxos pessoais é crime mas acima de tudo uma absoluta falta de caráter e respeito para com as crianças que deveriam ser, sempre e em primeira linha, os beneficiados de toda a atuação desta instituição. Mas uma vez mais deparamo-nos com alguém que usa o poder que lhe foi dado para arrogante e danosamente se beneficiar a si e aos seus familiares diretos, igualmente a trabalharem na mesma organização.
Quando confrontado com a notícia, Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu a gravidade mas afirmou algo que é lapidar e transversal a todo o Estado, quando refere que grave é só termos conhecimento de situações destas por denúncia e não pela fiscalização do próprio aparelho estatal. Aqui chegados urge avançar na pergunta sacramental a fazer ao governo e à Assembleia da República: quem fiscaliza o quê nas instituições e empresas estatais e quantas são atualmente alvo de auditorias externas? Temo que continuemos colados aos tristes números de há alguns anos em que das mais de dez mil instituições, organismos e empresas públicas apenas pouco mais de 10 por cento apresentavam orçamentos atualizados e destas apenas metade contas auditadas pelo tribunal de contas.
O estado continua a alimentar estas situações nebulosas e sem escrutínio aparente, onde se permitem todos os abusos de autoridade até que haja denúncias ou a coragem suficiente para enfrentar represálias. Existe toda uma corte de “iluminados” que beneficiam deste Estadão generoso para com os seus correligionários e que vão vivendo principescamente com benesses injustificadas, ilegais e imorais, a exemplo do que agora se conheceu na Raríssimas. Os episódios sucedem-se e vamos sendo confrontados com as falhas do estado, com abusos de poder, com nepotismo grosseiro, com clamorosas e indecentes atitudes de perjúrio, abuso de confiança, ilicitudes de todo o género. E que faz o Governo da República? Assobia para o lado, inventa mais umas quantas comissões para apenas distrair o povo e ganhar tempo, limpando o seu nome e fazendo de qualquer notícia positiva um festório com foguetes e purpurinas, como agora sucedeu com a nomeação de Centeno para presidente do Eurogrupo, um lugar sem poder e quase retórico na influência real nas políticas económicas e financeiras da UE.
Como afirmava um dos antigos funcionários “para o mal vencer basta que os bons nada façam”. E se o povo é bom, embora ignorante, tal como António Costa afirmou recentemente, pasme-se, porque insiste este mesmo povo em ser governado por uma classe que permite constantes abusos de poder e do erário público para fins muito pouco virtuosos?
E entretanto vamos andando entretidos nesta dança ilusória de que tudo está bem neste país, que ganhou mais um galardão turístico de melhor destino mundial e vamos permitindo, com os nossos silêncios complacentes, que os “espertos” se banqueteiem com os impostos que nos sugam e constantemente aumentam, direta e indiretamente?
Precisamos de mais virtude, honra e caráter no serviço público e dispensamos todos aqueles que se julgam mais e melhores e sentem que podem fazer tudo e nada lhes suceder. Desses estamos fartos e esses sim, têm se passar a ser raríssimos!