Autoridade e democracia na escola: dois lados da mesma moeda?

Causa Pública, por Elvira Tristão, professora

A propósito da crise de autoridade da (e na) escola, afirmou Philippe Meirieu (in “o mundo não é um brinquedo”) que “aquilo que está verdadeiramente em causa não é restaurar a autoridade, mas torná-la legítima aos olhos daqueles que estão sujeitos a ela”. Ou, se quiserem, restaurar a autoridade da escola passa por dar-lhe legitimidade aos olhos dos seus beneficiários, ou seja, todos nós, principalmente os alunos.

E afirmar a autoridade da escola passa necessariamente, diria eu, por dois aspetos essenciais: dar sentido às aprendizagens que aí se desenvolvem e, em simultâneo, valorizar as diferentes dimensões da cultura democrática. A democracia não se reduz à participação dos stakeholders[i], mas inscreve-se nos mais diversos processos de decisão, a começar pela sala de aula, onde os alunos devem ser capazes de tomar decisões sobre as suas aprendizagens. Para que fique claro, não defendo que os alunos decidam as aprendizagens essenciais que contribuem para desenvolver as competências previstas no Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória. Essa é a função do Estado. Nem tão pouco que substituam o papel do professor, enquanto gestor do currículo, pois essa tarefa compete-lhe em articulação com os seus pares, no seio dos órgãos de coordenação pedagógica previstos nas organizações educativas.

No entanto, inúmeros pedagogos, ao longo, pelo menos, dos últimos 150 anos, demonstraram ser possível, no âmbito dos processos de ensino e de aprendizagem, convidar os alunos a participar nas decisões que lhes dizem respeito, por exemplo, escolhendo temas, subtemas, projetos, tipos de tarefas que se coadunem com os seus perfis de aprendizagem[ii]. Cito apenas alguns pedagogos que, de um modo ou de outro, defenderam a participação ativa dos alunos nos seus processos de aprendizagem: John Dewey, António Sérgio, Jean Piaget, Célestin Freinet, Maria Montessori, Paulo Freire, Rudolf Steiner. Os dois primeiros (do início do século XX) escreveram inclusive sobre a vivência democrática na escola, afirmando ser esta não a preparação para a vida, mas a própria vida.

Dir-me-ão que é difícil, e que é fácil falar. Efetivamente é. Mas acredito que é o caminho onde todos temos a aprender, alunos, professores, enfim, todos nós. Dir-me-ão também que não temos meios, nem incentivos de carreira, nem tempo para preparar esse caminho. E também acompanho esse argumento. Mas somente até ao ponto em que estou disposta a participar na criação de condições para que possamos dar os passos necessários. Dirão alguns que é um esforço inglório e vão. Direi que, se não estivermos nisto pela glória e se estivermos atentos aos resultados, teremos certamente oportunidade de reforçar ou corrigir a estratégia co construída.

Se estivermos dispostos a desenvolver processos democráticos na sala de aula, mais facilmente estaremos preparados para os praticar nos órgãos de decisão pedagógica e estratégica da escola, porquanto a democracia representativa se alimenta da democracia participativa.


[i] Stakeholders significa público estratégico e descreve todas as pessoas ou “grupo de interesse” que são impactados pelas ações de um empreendimento, projeto, empresa ou negócio. Em inglês stake significa interesse, participação, risco. Holder significa aquele que possui. Assim, stakeholder também significa parte interessada ou interveniente.

 

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[ii] Howard Gardner, psicólogo cognitivo e educacional americano, descreve sete tipos de inteligência: corporal, espacial, interpessoal, intrapessoal, lógica, musical e verbal.

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