Carnavalices

Crónica de José Caria Luís

O Carnaval, ou Entrudo – que está aí à porta – já por cá mora há muito. Desde o século XV que esse evento, com manifestações de bailaricos, cegadas, desfiles e algumas bestices, foi adotado em Portugal. As modalidades, que começaram por ser muito agressivas, violentas até, têm vindo a suavizar-se nos nossos dias. Assim, os ataques por meio de sacos de areia ou farinha, ovos, laranjas ou produtos de mau-cheiro, estão praticamente fora de uso, excetuando-se o carnaval de Ponta Delgada, onde a bestice das limas e de sacos de água se mantém viva.

Na década de 50, cá pelo concelho do Cartaxo, não sendo o Carnaval nada do outro mundo e, à época, não conhecendo nós o Mundo, para rapazes e raparigas, era mesmo o melhor do Mundo. Por exemplo, em Vale da Pinta, tudo começava duas semanas antes, com bailes de roda, na rua, onde se rodopiava ao som de populares cantorias. De vez em quando, no sentido de se valorizar o serão, lá apareciam uns bacanos, formando trio composto pelo Zé Gabirro, o Galdério e o Manipanço, a fazer concerto com gaita de beiços, ferrinhos e castanholas de cana rachada. Bebedeiras também faziam parte da agenda, mas estas estavam reservadas para o domingo, porque, em dias de semana, o corpo e a carteira não suportavam tais luxos.

Sem carros alegóricos, sem samba nem sambistas – porque nem minissaia, muito menos tanguinha – era ver o pessoal, por demais andrajoso, de meia preta da avó enfiada na mona, a fazer de garruço, rua abaixo rua acima, sem tino nem destino. E a coisa só animava quando o António Bichaninha entrava em cena. Encenado com boina espanhola, óculos escuros, nariz postiço e abundante pera, munido de chibata de porqueiro, com o talego a tiracolo e, dentro deste, algumas centenas de rebuçados que distribuía em leque e que, para nós putos, vara de porcos de 2 patas, correspondia a milho grado e doce. A cada chibatada no solo, correspondia uma dezena de grunhidelas. Era assim que este grupo divertia o pagode assistente. Só tinha uma condicionante: o cenário teria de ter sempre uma taberna por perto.

Certa vez, saiu da assistência um fulano da Maçussa que, manifestando interesse em entrar na festa, se dirigiu ao Bichaninha e exclamou:

– Ò chefe porqueiro, você vai-me desculpar, até porque é carnaval e ninguém pode levar a mal, mas o senhor, com essa pera, parece mesmo um bode!

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Resposta do porqueiro de ocasião:

– Ah, sim? Mas a si, senhor da labita da cor da cera, para parecer um bode só lhe falta a pera!…

A risada do pessoal generalizou-se tempos fora. E ainda hoje se invoca e evoca essa cena que, certamente, perdurará para além da 10.ª geração.

*Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal de Cá.

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