Cartaxeiros pelo mundo

 

Sair do País nunca é uma decisão fácil. A família e os amigos ficam para trás, os locais que sempre conhecemos deixam, de repente, de fazer parte do nosso quotidiano, perdem-se os sabores da nossa infância e os cheiros desaparecem. E a distância, que parece não ter fim

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A emigração tem levado milhares de portugueses para os quatro cantos do mundo, muitos deles bastante jovens e qualificados, e com particular incidência nos últimos anos. O fenómeno não é novo: desde sempre, os portugueses escolheram morar noutras paragens. Aliás, foram os portugueses que ‘deram novos mundos ao Mundo’ e que foram, em grande parte, responsáveis pelo fenómeno da miscigenação, sobretudo no Brasil e em diversos países de África. E nos anos 60 e 70 do século passado, não foram os portugueses que ‘invadiram’ capitais europeias, como Paris, para fugir à guerra e a um regime com que muitos deles não concordavam?

Mas as motivações de ontem não são as motivações de hoje, e se dantes se procurava ter uma vida melhor, amealhar algum dinheiro e voltar à terra, hoje também se procura melhorar as condições de vida, mas com algumas diferenças… ao passo que nos anos 60 e 70 era relativamente fácil encontrar trabalho, hoje não é. E muitos não parecem estar interessados em voltar, contrariamente à geração que os antecedeu.

Emigrei por ambição profissional. Fui convidado a abrir uma empresa aqui no Brasil e assim fiz. (Ricardo Antunes)

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Os que partem à aventura, ou melhor, aqueles que decidem ir para experimentar uma realidade diferente ou para concluir estudos, são poucos. A grande maioria vê-se confrontada com perda de empregos, prestações para pagar, negócios que encerram portas e, como não encontram respostas satisfatórias em Portugal, decidem partir. Muitos, completamente sozinhos ou apenas com a família mais chegada, mas sem nada que os ligue à terra que os viu nascer e crescer.

 

Cartaxo Online

Miguel Ribeiro foi o mentor do projeto Cartaxo Online
Miguel Ribeiro foi o mentor do projeto Cartaxo Online

E foi com o objectivo de encurtar distâncias e tentar localizar amigos que nasceu o grupo Cartaxo Online, no Facebook, criado recentemente pelo cartaxeiro Miguel Ribeiro, que achou por bem encontrar os cartaxeiros atualmente espalhados pelos quatro cantos do mundo e colocá-los em contacto, não só entre si, mas também com os que cá ficaram. “Nas últimas contagens, sem a lista estar completamente atualizada, nós íamos em 250 pessoas” emigradas. “Tudo só gente do concelho do Cartaxo”, diz Miguel Ribeiro, que começou a dar conta do ‘desaparecimento’ de amigos quando “começámos a deixar de ter pessoas suficientes para constituir uma equipa” de futebol ou basquetebol.

Para já, dos cerca de 250 emigrantes do concelho, 40 a 50 estão em Inglaterra, que acaba por ser o país com mais cartaxeiros, mas “existem cartaxeiros nos cinco continentes. Há pessoas em países completamente remotos, pessoas que estão sozinhas. Uma das coisas fortes deste grupo foi que as pessoas deixaram de se sentir sozinhas”, continua Miguel Ribeiro.

Senti que necessitava uma mudança na minha vida, a todos os níveis. (André Pita-Groz)

No entanto, e numa altura em que muito se fala de emigração qualificada e de fuga de cérebros, Miguel Ribeiro adianta que “a grande maioria das pessoas, posso dizer que mais de 75 por cento dos que emigraram, não pertencem aos quadros médios, ou seja, são pessoas que não são licenciadas, que não têm cursos de especialização, que trabalhavam em lojas, aqui, de comércio tradicional, supermercados, nas instituições públicas, e que se viram sem condições para trabalhar cá”.

Neste grupo, as idades variam entre os 30 e os 40 anos, embora haja pessoas “que já lá estavam há mais tempo”, logo, são mais velhas, mas que não sabiam que existiam outros cartaxeiros no mesmo país, e essa foi “uma das coisas boas do grupo, que conseguiu reunir pessoas da mesma cidade e juntá-las”. E mesmo os que estão fora há mais anos, “em conversa connosco dizem que pensavam que iam ficar dois, três anos e acabaram por lá ficar sete, oito anos, e já não pensam em voltar”, revela.

 

 

O Jornal de Cá decidiu ir à procura dos ‘cartaxeiros pelo mundo’. Do Dubai ao Chile, passando por Moçambique, França, Suécia, México, Inglaterra, Argentina, Canadá, Brasil, Austrália, Estados Unidos e Suíça, todos os países são bons quando nos acolhem bem, ainda que alguns pareçam destinos menos prováveis.

 

A decisão

A viver há quase quatro anos no Dubai, Ana Oliveira, de 29 anos, e que estudou Biologia Marinha e Biotecnologia, destaca que, perante as condições (não) existentes no Cartaxo, “quando me surgiu a oportunidade, e nunca ponderei sequer fazê-lo ou não, sabia que tinha que ir”, apesar de concordar que “a decisão de sair do País nunca é fácil, especialmente para quem era tão feliz onde morava”.

Andreia Heitor
Andreia Heitor “correu atrás do amor” para a Suiça

Andreia Heitor, 32 anos, era proprietária de um pequeno snack-bar em Azambuja.
Na Suíça, em Genebra, há pouco mais de um ano, ‘correu’ atrás do amor: o namorado recebeu “uma proposta para vir trabalhar aqui, e como o negócio estava muito fraco, decidimos aceitar”, conta.

O amor foi também a principal razão para a ida de André Pita-Groz, de 38 anos, para o México, há dois anos e quatro meses, casado, na altura, com uma mexicana, mas também pesou “um certo espírito de aventura na procura de novos desafios profissionais num contexto social, político e cultural completamente diferente. Senti que necessitava uma mudança na minha vida, a todos os níveis”, diz.

A viver na Argentina, na capital Buenos Aires, há oito anos, Maria João Machado, 35 anos, foi daquelas que foi à aventura. “O que me levou a emigrar foi tão simplesmente uma vontade enorme de ir. Senti que não tinha que estar em Portugal nesse momento, que precisava de uma injeção de vida. Houve algo de impulso ou, se quiser, de loucura”, esclarece.

Não tenho saudades nenhumas do discurso generalizado do coitadinho, e de os políticos fazerem o que querem sem serem punidos, dos clubismos de futebol. (Joana Dias)

Joana Dias é outra das ‘cartaxeiras pelo mundo’. Com 29 anos, emigrou pela primeira vez ao abrigo do Programa Erasmus, no âmbito da licenciatura em Ciências da Nutrição da Universidade do Porto, para Estocolmo, na Suécia. Pouco depois, voltou à Suécia para um mestrado de dois anos. Terminada esta etapa da sua formação, regressou a Portugal, mas a instabilidade laboral que vivia levou-a a continuar a tentar a sorte, e “no verão de 2012 consegui um contrato de seis meses como investigadora na Universidade de Lund, em Malmö, no sul da Suécia. Esse contrato foi prolongado a dois anos, e a seu tempo consegui registar-me como doutoranda na mesma unidade de investigação”.

Também Rita Monteiro, de 37 anos, ‘se fez à vida’ noutro país, em França. “Não sou emigrante de longa data, parti para França a 17 de junho de 2014, com o meu filho mais novo, a fim de ouvir uma proposta de trabalho, e já não regressei”, conta.

António José Vieira Dias vive em Inglaterra desde novembro de 2014
António José Vieira Dias vive em Inglaterra desde novembro de 2014

Melhorar as condições de vida foi a motivação de António José Vieira Dias, de 46 anos. Emigrado desde novembro de 2014 em Inglaterra, lembra que “fiquei desempregado, depois de dez anos de casa e, com 46 anos, a perspetiva de emprego é muito complicada em Portugal, e ainda por cima, trabalho não qualificado”.

“Emigrei por ambição profissional, trabalhava numa empresa em Rio Maior e já viajava bastante. Fui convidado a abrir uma empresa aqui no Brasil e assim fiz. Na época, eu e a minha mulher tomámos a decisão de vir, e ela conseguiu um trabalho na área dela relacionada com Tecnologias da Informação, o que facilitou a nossa adaptação”, refere Ricardo Antunes, de 33 anos, que se estabeleceu em Vitória, no estado de Espírito Santo, no Brasil, em 2012.

Do outro lado do mundo, em Sydney, na Austrália, há cinco anos, Pedro Miguel Queiroz revela que o que o levou a emigrar “foi o facto de ter ficado desempregado e procurar uma nova oportunidade num país diferente e que me pudesse oferecer outras condições de vida e financeiras”. Tomada a decisão de sair do País, diz que o facto de ter um irmão a viver em Sydney “foi uma das razões que me levou a optar por este país”.

Ester, 39 anos, e Paulo Saraiva, 43, estão em Moçambique há quase 14 anos, e apontam “a falta de tempo para constituir família e para os filhos, baixos salários, vida agitada sem tempo para nada, e o facto de cada um estar distante durante a semana, visto que um trabalhava no Algarve e o outro em Lisboa”, como as razões que os levaram a emigrar.

Emigrante há 13, Paullete Souza passou por vários países até chegar ao EUA
Emigrante há 13 anos, Paullete Souza passou por vários países até chegar ao EUA

Já Paulette Souza, 38 anos, a viver actualmente na Florida, nos Estados Unidos, já leva 13 anos de emigrante. “O primeiro país para onde fui foi para a Roménia, depois passei uma temporada na Dinamarca, mais tarde no Brasil e, por fim, estou nos Estados Unidos já há nove anos. Saí do País talvez não pelas razões mais comuns aos outros emigrantes, eu saí com uma função eclesiástica, saí para exercer trabalho como missionária e trazer auxílio físico e espiritual em países considerados mais desfavorecidos”, diz.

 

 

Vida de emigrante

A vida de emigrante não é fácil, “estou sozinha no país, os meus pais estão em Portugal. No entanto, tenho a sorte de ter o meu namorado e vários amigos que considero família por cá”, refere Ana Oliveira, que é hospedeira de bordo no Dubai, trabalho que é “completamente diferente de qualquer coisa que tenha feito antes”. Por isso, teve necessidade de formação, que “faz parte do contrato de trabalho”.

 

“Tudo foi difícil nos primeiros tempos. Durante o primeiro ano pensei ir embora todos os dias. Um país diferente, culturas diferentes, os horários da formação e, mais tarde, do trabalho, são muito exigentes. Foi preciso mudar todos os meus hábitos para conseguir aguentar e ficar até hoje”, Ana Oliveira salienta as condições que lhe foram oferecidas: “um bom salário (sem descontos), casa, electricidade, água e gás são pagos pela companhia, contratos de três anos, são coisas que me têm mantido por cá”. Num país muçulmano “não tão radical como outros”, as diferenças são imensas, e por isso “não me considero plenamente integrada, penso que ninguém se considerará plenamente integrado quando as diferenças são tão abismais, mas estou tranquila, posso dizer, até, que estou feliz por aqui”, garante a emigrante.

Atualmente, na Suíça, Andreia Heitor concilia dois trabalhos, “numa cadeia de supermercados, 16 horas por semana, e numa empresa de limpeza, 10 horas por semana”. A facilidade com que começou a trabalhar fá-la considerar mesmo que esta é a principal diferença. “Aqui ainda existem muitas oportunidades para quem quer trabalhar, o difícil é arranjar papeis para o conseguir. O processo dos vistos de residência ou de trabalho é muito restrito e cheio de burocracia”, revela, acrescentando que “o mais difícil foi, e continua a ser, estar longe da família”. Mas também tem “saudades do cheiro a mar, era hábito, aos fins-de-semana, ir até Peniche ou à Nazaré”, e dos sabores de uma vida, já que lá “a gastronomia é fraquíssima, fondues de tudo e mais alguma coisa, e o peixe é quase inexistente, já para não falar nas quantidades reduzidas de comida nos pratos. Se formos ao restaurante, aquela entrada típica de Portugal, de azeitonas, pão, queijo, etc, não existe. Em vez disso, servem uma salada”, lamenta.

O mais difícil para Joana Dias foi habituar-se à neve
O mais difícil para Joana Dias foi habituar-se à neve

As diferenças são assinaláveis. Joana Dias salienta que “fazer um doutoramento na Suécia é drasticamente diferente de fazer um em Portugal, por várias razões, sendo a principal, para mim, o facto de aqui recebermos um salário e fazermos os respetivos descontos, o que nos torna muito mais seguros e independentes em relação à nossa posição durante quatro anos”, refere. Num país completamente diferente e com uma língua estranha, “o mais difícil no início é perceber o sistema. Coisas simples como saber onde comprar bilhetes de autocarro, como chegar de X a Y, onde está o supermercado mais próximo”. E depois, “num lado mais pessoal, o mais difícil foi adaptar-me a metros de neve”. Assumindo-se como uma cidadã do mundo, refere que ‘a nossa casa é onde está o nosso coração’. Nesse sentido, diz estar e não estar em casa, porque “tenho sempre a família no Cartaxo, e alguns amigos espalhados por Portugal, mas também tenho grandes amigos espalhados pelo mundo, e aqui. Por isso, estou integrada no sentido prático da palavra. Talvez a única coisa neste momento que ainda não está a 100 por cento será o domínio da língua”.

“O período de adaptação foi um caos”, começa por confessar Maria João Machado. Na Argentina, “a sensação era de que tudo era enorme, rápido, sujo, distante, difícil, longe, barulhento. Nunca fui muito apegada a coisas ou a pessoas mas chegava a casa e sentia a falta de tudo junto”. No entanto, “a Argentina é um país de gente amável e querida, isso ajudou e ajuda até hoje. Poucos meses depois de ter chegado conheci o Pablo, que agarrou a minha mão e seguimos estrada fora, juntos, até hoje”. Em Buenos Aires diz-se integrada e feliz. Profissionalmente, Maria João é produtora cultural, tal como em Portugal. Salientando que esta é uma das áreas mais ingratas em todos os países, socorre-se de um provérbio português para caracterizar o que faz: “a expressão ‘água mole em pedra dura tanto bate até que fura’ ainda se aplica quase dia sim, dia não. Sobretudo a parte do ‘tanto bate’”.

Aqui, quanto mais idade se tem, mais fácil se torna arranjar trabalho, porque valorizam muito a experiência de vida. (António José Vieira Dias)

Já Rita Monteiro não encontra muitas diferenças entre o trabalho que tem hoje e o que tinha no Cartaxo. “Trabalho como consultora financeira numa empresa de seguros. Este trabalho, na sua essência, não difere muito do que fazia em Portugal. O que muda é a envolvência, troquei as ruas do Cartaxo pelas ruas de Paris”, diz. “O que me custou mais, nos primeiros tempos, foi a distância da família e após a chegada deles, foi toda a burocracia. Foi complicado matricular as crianças nas escolas, foi extremamente moroso obter o número de segurança social, para que possamos ter acesso à saúde e às comparticipações”, acrescenta.

Rita Monteiro, França

Ainda se considera pouco integrada em Paris, porque “embora trabalhe e faça parte de uma equipa de basquetebol (a minha paixão) falta-me o domínio da língua, não só falada como escrita”.

Se para Paulo Saraiva o trabalho em Moçambique é semelhante, “mas num ramo completamente diferente, pois mantém-se na área de vendas, mas enquanto em Portugal estava nas telecomunicações, aqui estou no ramo de equipamentos hoteleiros e numa versão de sócio/gerente”, para Ester tudo mudou. “Estudei para professora de EVT (Educação Visual e Tecnológica), mas trabalhava em vendas e escritório, no ramo das telecomunicações. Aqui não me concedem sequer autorização de trabalho, todo o trabalho que faço é esporádico e ‘por fora’”, lamenta. E as dificuldades encontradas para este casal são inúmeras: a diferença cultural, a condução ‘à inglesa’ e trânsito caótico, falta de produtos, “a saúde foi dos maiores problemas, pois hospitais públicos são um filme de terror e as clínicas privadas, para além de péssimo atendimento, cobravam balúrdios só para se poder ser atendido”, e um rol interminável de outras dificuldades, contam. Apesar de se considerarem completamente integrados em Moçambique, Ester e Paulo dizem-se “já fartos. Nada melhorou nestes últimos cinco anos, pelo contrário, houve progresso, mas as dificuldades mantêm-se as mesmas, para além de que a corrupção piorou, as dificuldades aos estrangeiros também, e o nível de vida aumentou ainda mais”.

Apesar de deslumbrantes, as paisagens de Moçambique não fazem Toni Custódio esquecer as paisagens de Portugal
Apesar de deslumbrantes, as paisagens de Moçambique não fazem Toni Custódio esquecer as paisagens de Portugal

Igualmente em Moçambique, mas apenas há três anos e meio, Toni Custódio, 44 anos, saiu do País por questões pessoais, e diz que o mais difícil nos primeiros tempos foi “a habituação ao movimento de uma grande cidade (Maputo), ao constante ruído e, obviamente, ao facto de estar muito longe de tudo e de todos (família e amigos)”.

Atualmente, é “responsável pelo departamento financeiro  e administrativo, embora numa empresa do mesmo grupo” em que trabalhava em Portugal, onde era responsável de TI e controlador de gestão.

Acompanhado do irmão e da namorada, a também cartaxeira Margarida Bruno, Pedro Miguel Queiroz encontrou trabalho na mesma área, construção, apesar de o que faz hoje ser completamente diferente. “Em Portugal, estava na área das vendas de máquinas e serviços para a construção civil; aqui na Austrália trabalho numa empresa portuguesa de rebocos, que é representante de massas e gesos portugueses”. Ainda assim, destaca as dificuldades para obter visto de permanência e trabalho no país, “que já consegui. Financeiramente, é um país atrativo, onde não faltam oportunidades de trabalho. Apesar do custo de vida ser elevado, Sydney é considerada uma das melhores cidades do mundo para se viver”, salienta.

André Pita-Groz é consultor numa organização civil
André Pita-Groz é consultor numa organização civil

Assistente cultural no Centro Cultural do Cartaxo durante três anos, a realidade laboral de André Pita-Groz mudou radicalmente no México, onde já desempenhou “vários trabalhos: fotografia, aulas de português para estrangeiros, traduções. Atualmente, sou consultor numa organização civil que trabalha essencialmente em temas de prevenção de violência e delinquência”, onde coordena algumas das atividades culturais e artísticas em escolas de alguns dos bairros mais perigosos da Cidade do México. A adaptação à altitude foi o mais difícil. Além disso, “houve também um processo de cerca de cinco meses em que me foi bastante difícil encontrar um trabalho relativamente estável. A adaptação é um processo contínuo numa cidade com esta dimensão”, considera André, que já se sente integrado, “apesar das muitas diferenças culturais que separam o estilo de vida europeu do estilo de vida latino-americano” e mais propriamente mexicano, constata.

Paullete Souza, EUA

Também para Ricardo Antunes o trabalho mudou radicalmente. Formado em Engenharia Mecânica, “estava encarregado de liderar uma equipa de manutenção, aqui estou direcionado para administração de empresas”, esclarece. Ricardo Antunes é perentório: o mais difícil é mesmo a burocracia brasileira. Mas afiança sentir-se completamente integrado na sociedade brasileira, apesar das saudades, “mas sinto que a minha casa agora é aqui”.

Inicialmente missionária, a vida de Paulette Souza levou uma volta de 180 graus com a ida para os Estados Unidos, uma vez que está a trabalhar “por conta própria, abri a minha companhia de limpezas residenciais. Totalmente diferente do que alguma vez fiz em Portugal”. Quanto a dificuldades, “devo dizer que não achei nada especialmente difícil, sou uma pessoa extremamente adaptável”.

António José Vieira Dias destaca as diferenças encontradas a nível laboral
António José Vieira Dias destaca as diferenças encontradas a nível laboral

António José Vieira Dias regressou à hotelaria em Inglaterra, trabalho que tinha desempenhado durante 15 anos. “Entrei para uma cadeia de restaurantes e apanhei uma equipa fantástica e maioritariamente de ingleses, o que facilita em muito a integração”. A viver com o filho mais velho, “veio em setembro de 2015, para estudar e trabalhar”, garante que o mais difícil nos primeiros tempos foi mesmo a ausência da família. No entanto, destaca que “as coisas, aqui, parece que funcionam ao contrário do nosso País. Aqui, quanto mais idade se tem, mais fácil se torna arranjar trabalho, porque valorizam muito a experiência de vida. Numa entrevista de trabalho entre mim e um rapaz de 20 anos, optaram por mim por essa mesma razão. Para provar  isto, há cá uma cadeia de supermercados em que as pessoas que estão nas caixas são pessoas com mais de 50 anos. Porquê? O governo compensa o supermercado e poupam nas reformas ou pensões”, diz.

 

Ana Oliveira, Dubai

Cada terra com seu uso

Quem lamenta a morosidade dos processos burocráticos, fique a saber que ainda há pior. O Dubai, por exemplo. “A burocracia por aqui é de morrer. Se sempre achei que em Portugal os serviços públicos funcionavam mal, a minha opinião mudou desde que conheci esta realidade. Não tem comparação. O trânsito é um horror a qualquer hora e praticamente em todo o lado da cidade, as diferenças culturais dos habitantes provocam o caos nas estradas”, conta Ana Oliveira.

Na Suécia é o excesso de zelo que ‘dá cabo dos nervos’ de Joana Dias. “Muitas vezes o ‘óptimo é inimigo do bom’. E com o intuito de facilitar a vida às pessoas que trabalham nas caixas de supermercado, há uns ‘bons samaritanos’ que dispõem as compras no tapete com muita calma, uma a uma, tendo o cuidado de procurar o código de barras e virá-lo ‘a jeito’ para que a pessoa do outro lado da caixa não tenha de fazer grande esforço”. E se pensavam que o hábito de cuspir para o chão era exclusivamente latino, desenganem-se, porque na Suécia toda a gente o faz. Além disso, acrescenta Joana Dias, “a outra situação que me chateia e que afecta vários aspectos da vida em sociedade é a mentalidade ‘lagom’ (moderado/suficiente). Para os suecos tudo deve ser ‘lagom’ para um bom funcionamento em sociedade”, o que faz com que os suecos se tornem “um pouco aborrecidos, porque todos têm a mesma opinião acerca de tudo”.

Já os brasileiros “não conseguem resolver nada à primeira tentativa”, lamenta Ricardo Antunes, e na Florida, o que deixa Paulette Souza à beira de um ataque de nervos é “a condução, não existem piscas, não existe cautela, não existe respeito algum na estrada”.

Na Argentina "rouba-se muito"
Na Argentina “rouba-se muito”

E na Argentina? “Rouba-se muito, aqui. A coisa é assim, no supermercado, sempre que fazem descontos aumentam os preços, ou seja, antes desse dia do desconto, pela calada da noite, aumentam os preços e fazem os descontos sobre os aumentos. Ou outra, agarra uma coisa no supermercado que tem um preço, chega à caixa e a registadora marca outro. Num táxi, se o taxista percebe que é estrangeira, cobra um bocadinho mais. Na frutaria as balanças quase sempre estão adulteradas com vantagem para o vendedor e, se não se está atento, enganam-nos nos trocos. E vai-me aos nervos ainda mais profundamente porque também quase ninguém reclama”, diz Maria João.

Os franceses usam e abusam das expressões ‘je suis fatiguée’ e ‘bon courage’. “É um povo muito lamechas, queixam-se de tudo, estão sempre cansados e é sempre preciso sorte ou coragem para ir trabalhar”, ironiza Rita Monteiro. Já em Inglaterra, “fecha tudo muito cedo”, lamenta António José.

Pedro Miguel Queiroz lembra que Sydney é uma das melhores cidades para viver
Pedro Miguel Queiroz lembra que Sydney é uma das melhores cidades para viver

Totalmente integrado na sociedade multicultural australiana, Pedro Miguel Queiroz refere que a língua foi o mais difícil, “visto que vinha com um inglês básico. A procura de trabalho no início não é fácil, os hábitos de vida são completamente diferentes e principalmente estar longe da família e da minha filha” foram as outras dificuldades encontradas. Paralelamente, o facto de Sydney se ‘deitar’ cedo é o que mais o incomoda. Dando como exemplo os horários de trabalho, este emigrante revela que “a hora de ponta aqui na cidade é entre as 6h e as 7h da manhã e as 15h e 16h da tarde”. Por isso, “tudo o que se relaciona com horários de fecho de serviços, cafés, shopping, é bastante diferente. Na zona onde vivo, por exemplo, depois das 6h da tarde está praticamente tudo fechado, inclusive a vida noturna não vai além da 1h da manhã”.

Em Moçambique, é a mentira que desarma Ester e Paulo Saraiva. Bem como, o excesso de calma, “nem numa emergência médica se vê correria”.

As expressões ‘hei-de fazer’ e ‘ainda’ tiram Toni Custódio do sério. “a expressão local ‘hei de fazer…’,quando questionamos sobre a execução de uma tarefa; a expressão local, por vezes associada à anterior ‘ainda…’. Por exemplo: ‘já fizeste a cotação?’ Resposta: ‘Ainda (não)… Hei-de fazer…'”. A juntar a isto, “a forma perfeitamente selvagem como conduzem aqui”.

Toni Custódio lembra que é importante não esquecer “a extrema pobreza de quase toda a população"
Toni Custódio lembra que é importante não esquecer “a extrema pobreza de quase toda a população”

E é importante não esquecer “a extrema pobreza de quase toda a população e a falta de coisas que, para nós, em Portugal, são tão básicas, como por exemplo abrir um torneira e sair água durante todo o dia. Embora em algumas zonas do país (poucas), haja já uma classe média emergente”; a existência de tribalismo entre províncias, o que faz com que “grande parte da população nem português fala. Nem se fala o mesmo dialeto de província para província”, acrescenta.

No México, André Pita-Groz bem que poderia viver numa novela, já que os mexicanos têm “uma tendência natural para o drama, a falta de comunicação que prejudica as relações interpessoais, laborais e emocionais. Uma certa inveja do sucesso de terceiros que provoca conflitos e tensões nas redes de contacto social e profissional. A impontualidade é uma constante”, salienta.

 

Saudades do meu País

Todos são unânimes em apontar a família como o que lhes faz mais falta. Ana Oliveira, a milhares de quilómetros de Portugal, continua a achar que “temos o melhor e mais bonito País do mundo, e apesar dos nossos problemas económicos, depois de ver as coisas que acontecem por esse mundo fora, acho que muitas vezes nos queixamos de ‘barriga cheia’. Daí, a única coisa de que não tenho saudades talvez seja esta atitude portuguesa pessimista e de ‘queixume’”.

Moçambique, país com paisagens deslumbrantes, não é suficiente para matar as saudades que as “paisagens do nosso maravilhoso País e estradas sem buracos (atenção, que as ruas do Cartaxo, comparadas com as daqui, são um ‘miminho’)” provocam em Toni Custódio que, por outro lado, não sente saudades “do frio e de semanas seguidas sem ver um raio de Sol. Por incrível que pareça, não tenho saudades da comida. Exceto dos queijos portugueses e enchidos”.

António José Vieira Dias
António José Vieira Dias não tem saudades de viver nessa aflição de contar os tostões para comer

António José, em Inglaterra, garante não ter saudades de “viver nessa aflição de contar os tostões para comer, e de quem nos governa”, sendo a família e os amigos o que mais sente falta, tal como Pedro Miguel Queiroz, que não sente falta de “estar desempregado e de sentir dificuldades financeiras”. O mesmo sente Ricardo Antunes, que tem ainda saudades da diversidade cultural, das idas ao estádio da Luz e do vinho do Cartaxo. Nesta sua aventura no Brasil, só “não tenho saudades do frio”, tal como Paulette Souza, habituada ao clima na Florida. “A estagnação no tempo, a falta de mudança, a dureza de vida para conseguir sobreviver ou viver com o mínimo de conforto, a falta de oportunidades laborais”, são também coisas de que não tem saudades. Mas, para além dos amigos, Paulette sente falta “dos pequenos-almoços no meu Cartaxo,  os croissants, a doçaria portuguesa, aqui encontro alguma, mas só se viajar para New Jersey, onde tem uma comunidade portuguesa muito maior que aqui”. Mas também “a pequenez da cidade, que se atravessava em meia dúzia de minutos, o facto de poder ter uma conversa com o homem do talho e conhecer a senhora que vende pão”, finaliza.

Já para Joana Dias, na Suécia, “as maiores saudades são do sol, da comida, e da família e amigos. A lista dos aspectos negativos é bem maior. Não tenho saudades nenhumas de se chegar atrasado a todo e qualquer evento, de as pessoas falarem umas por cima das outras, do discurso generalizado do coitadinho, e de os políticos fazerem o que querem sem serem punidos, dos clubismos de futebol, das comparações com o vizinho do lado, das cusquices da terrinha”.

“Tenho saudades dos meus amigos, de peixe, de sopa, do mar, das autoestradas, da proximidade a outras capitais europeias, de visitar aldeias e de sentir que somos meia dúzia de gatos pingados, o que é tão bom. Uma pessoa sente-se exclusiva. Acredita que só a cidade de Buenos Aires tem o mesmo número de habitantes que Portugal inteiro?! Na Argentina somos sempre muitos em todo o lado”, conta Maria João. Por outro lado, há coisas positivas, o que a leva a não ter saudades “da carne, aqui a carne é realmente incrível, saborosa e suculenta”.

O mais difícil foi, e continua a ser, estar longe da família. (Andreia Heitor)

As saudades de André Pita-Groz vão, sobretudo, para o filho que cá deixou, a milhares de quilómetros do México. “Atualmente, e mais do que nunca, é um dilema diário. Tenho saudades da minha família e dos poucos, mas grandes, amigos que deixei. Saudades da tranquilidade de uma tarde à beira Tejo ou debaixo da tília da casa dos meus pais. A liberdade de poder tocar bateria sem queixas. Obviamente que sinto falta da comida portuguesa, do azeite, do alho, do bacalhau. Das pequenas distâncias entre lugares tão diferentes”. Por outro lado, este cartaxeiro não sente falta “de uma certa tacanhez que invadiu o País, especialmente depois da crise de 2010/2011, da falta de oportunidades e de perspetivas para os jovens e adultos que vêem os projetos de vida morrer à nascença, da falta de iniciativa para combater o estado de coisas numa conjuntura em que não há tempo para ficar parados a recitar as mesmas ladainhas do costume. A falta de ambição para a criação de projetos inovadores”.

 

Conselhos

Estes ‘nossos’ emigrantes deixam conselhos preciosos para quem esteja a pensar sair do País. ‘Paciência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém’, diz o povo e, fazendo fé no que nos dizem estes emigrantes, tem razão. Por isso, alertam para o facto de que nada acontece de um dia para o outro. Os processos burocráticos são morosos, e o melhor é ir já a contar com isso.

Ter dinheiro para alugar um espaço para onde ir e para se sustentar nos primeiros tempos. E dinheiro para voltar, caso corra mal, é outro conselho precioso. O melhor mesmo é ir já com contrato de trabalho e sair com convicção, com um plano, com um alvo para o qual vai trabalhar se pensa voltar ao País, e até mesmo se pensa ficar, agarre-se ao alvo.

As ruas do Cartaxo, comparadas com as daqui, são um ‘miminho’. (Toni Custódio)

Além disso, estude bem o país para onde quer ir, especialmente se não tiver lá qualquer contacto, a língua, os hábitos e costumes. E não caia na tentação de fazer comparações com Portugal, porque são realidades completamente distintas.

Se tiver família, faça o possível para a trazer para junto de si o mais rápido possível, pois, salienta Toni Custódio, “estar fora da nossa terrinha sozinho é mesmo muito complicado”.

Mas, como diz Joana Dias, “saiam! Se já estão a pensar sair, então devem mesmo experimentar fazê-lo. Nada pior do que daqui a 50 anos dizerem que se arrependeram de não tentar. Se a coisa correr menos bem, pelo menos experimentaram”.


 

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