Em meados de 50, já a nouvelle classe média tinha o seu lugar onde praticar o culto, a bom recato. E se, por distração ou preconceito, um destes utentes pedisse um café frio em vez de uma bica, também não se ia embora sem ser servido. Quer o Picoto, quer o Porfírio ou o Miranda, todos sabiam o que a casa gastava. No concorrido “café” Miranda – onde nunca se pôs uma cafeteira ao lume – além do espaço principal, estilo “foyer”, até tinha um estreito corredor que conduzia a um recatado cantinho dos fundos, onde, através de exercícios e exéquias pescoceiras se esqueciam as agruras da vida ou a conta do merceeiro.
O dito acanhado corredor tinha duas funções: a de conduzir o freguês ao local da cerimónia, sem ter que perguntar o caminho a ninguém e, no retorno, alinhá-lo entre paredes, garantindo ao fulano a máxima segurança até à porta da rua. Depois, aí… Bem, aí já o animado freguês, que entrou mudo, acabrunhado, e saiu cantando e rindo, ficava por sua conta e risco. Mas, para obviar males maiores, podia-se sempre contar com a colaboração e proteção do polícia-de-dia, noite neste caso. Tanto o guarda Correia, como o Joaquim da Silva (Marreco) ou o subchefe Matos, cada um a seu tempo, não deixariam de proceder ao encaminhamento dos utentes a bom porto, não fossem eles da Segurança Pública. O pior era quando o freguês era de Vale da Pinta; estes, que não gostavam muito de aparecer nas tabernas da terra, preferiam ir enfrascar-se para o Miranda. Era no Cartaxo, sempre tinha outra classe. Contudo, o pessoal das freguesias tinha um handicap, já que o pelouro era pertença da GNR e esta só trabalhava de dia.
Sendo o Cartaxo uma terra rica, onde as classes: média, remediada e menos afortunada, já tinham o seu setor, não fazia o menor sentido ostracizar os mais abastados. Estes, porém, antecipando-se, já tinham os seus oratórios. De facto, o “Monumental” e o “Campinos” já eram pioneiros. De entre os frequentadores do primeiro, contava-se professores, médicos, solicitadores, alguns comerciantes e, também, os emplastros. Eram estes uns fulanos, que, no intuito de se misturarem com os mais finos, pensando ser o modo de subirem de estatuto, vestiam fato preto, camisinha branca, de popelina, bem engomada, tudo no estilo de profissão liberal. Porém, bastas vezes, alguém se esquecia de colocar a roupa na barrela, o que, retirando asseio ao conjunto, acabava por lhe conferir brilho. Àquela casaca, por demais coçada na gola, o que lhe valia eram as cotoveleiras, que sempre ajudavam na prevenção.
Falando do “Campinos”, pudemos testemunhar, que, além dos industrio-comerciais irmãos Dias (António e João) e do José Manuel Santos, também o veterinário Dr. Martins e seu filho eram frequentadores desta unidade. Outras figuras, mais ligadas à alta agricultura, onde se destacaram os vitivinicultores Alfredo Leal, Francisco Ribeiro “Minhoto” e o seu feitor Travessa, Fernando Inverno e Manuel Henriques, também eles foram fiéis frequentadores do “Campinos”.
E, mais culto menos culto, era assim que as diferentes classes se distribuíam pelas capelinhas do Cartaxo.
Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.