Das recordações que tenho da minha leitura das Viagens da Minha Terra, de Almeida Garrett, sublinho, como não poderia deixar de ser, o parágrafo onde no seu percurso entre Lisboa e Santarém, o autor transcrevia “cheguei ao pé do grande Café do Cartaxo… fazem ideia do que é este café? Não fazem… se não viajam, se não saem, se não veem Mundo, esta parte do Ribatejo!”
Passados dois séculos recordo-me na minha infância, desta grande Vila numa azáfama de pessoas circulando pelas suas ruas, com o seu coração central na Praça 15 de Dezembro, onde pontuava esse suposto Café, de seu nome Monumental. No seu andar superior chegou a ser a sede do Ateneu, ladeado por uma loja a quem se dizia, em tom de brincadeira, era do Esteves da Papelaria que abre às onze e fecha ao meio dia, e por outra que vendia o precioso néctar, dando fama à Terra, ou seja os vinhos da Adega Cooperativa, onde forasteiros a frequentavam como se de um verdadeiro Posto de Turismo se tratasse. Se por um quarteirão mais ao lado existia o café Campinos, frequentado pela alta sociedade cartaxense e onde se realizavam bailes com conceituadas orquestras, na outra esquina oposta havia a Taberna do Serrazina, cujo proprietário tinha fama de ser rude com os clientes onde só servia um copo de cada vez, pois ali não era lugar para bêbados.
Elogiava-se a Terra pelo lindo Jardim que ai floria (onde os noivos realizavam as suas reportagens fotográficas), rodeando a estátua de um dramaturgo reconhecido nas artes literárias, nunca pensando que, um dia mais tarde, iriam colocar um Baco, ladeado por uma espécie modernizada do Templo de Diana, e um género de um rabo de bacalhau, que viriam a denominar lápide comemorativa da futura elevação a cidade. De mau gosto a atentado urbanístico, só virando a estátua de costas e arrancar o jardim colocando pedras tipo ringue de patinagem ou, então, lembrarem-se de demolir o imponente edifício que ladeava a Praça, com uma bela esquadria assimétrica de janelas ovalizadas com exemplares da nossa azulejaria portuguesa, onde no seu piso superior funcionava o Notário e estava instalada a firma José de Oliveira Santos, conceituada no sector automóvel com um posto de combustível adjacente.
Para grande infelicidade tinha havido um aterrador incêndio nos Paços do Concelho, mas perante tal beleza da sua fachada datada de 1870, (o seu relógio estava instalado numa torre digna de qualquer campanário de igreja) ainda poderia esta ser recuperada por algum arquiteto contratado, que poderia perfeitamente idealizar um moderno e funcional edifício aproveitando a sua traça original, para aí continuar a Câmara Municipal e seria mais um ex-libris nesta localidade.
A praça de Táxis e os autocarros da empresa Claras, com paragem diante do Jardim Bar (ao lado da Barbearia Barrela e da retrosaria Manuel D’Água), não paravam num vai vem para as pessoas que vinham das freguesias vizinhas, dinamizando o comércio local onde as duas faixas da Rua Batalhoz proporcionavam fluidez e escoamento para uma estrada nacional, que atravessava este centro vital para a prosperidade e crescimento de uma localidade.
A tradicional Feira dos Santos realizava-se nos terrenos envolventes da Praça de Touros, em dias de multidões de forasteiros e que garantia Praça cheia, pois no dia dos finados encerrava a temporada Tauromáquica. A nossa Vila respirava saúde financeira com empresas que proporcionavam muitos postos de trabalho, como era o caso da Interagro, da Fábrica de Cerâmica da Cruz do Campo e da Moali, complementadas com a coexistência de várias casas agrícolas, grandes produtores de vinhos, cortiças, azeites e cereais, dinamizando com estes últimos o enorme edifício da Moagem ainda existente.
Mas como diziam os mais sábios com o passar dos anos, o Cartaxo estava a “apodreguir” e o que foi definhando não foi para os do lado de lá, o que foram asneirando foi mesmo prejudicando os De Cá.