Cartaxo, que futuro?

Opinião de João Fróis

Sou hoje um cartaxeiro que vive longe da sua terra, a exemplo de muitos conterrâneos que partiram ao longo dos últimos anos, em busca de oportunidades que a sua terra não oferece. Vivo na cidade invicta desde há três anos e acompanho com interesse e particular atenção o que vai acontecendo naquela que é a minha terra desde o meu primeiro ano de vida e que só não me viu nascer. Cresci cartaxeiro e sinto-me como tal. As minhas raízes estão aí fundadas e todo um passado de memórias bem vivas, ricas em pessoas e afetos, em vivências construtivas e marcantes, em muito contribuíram para ser o homem que sou hoje.

Sempre acompanhei a evolução do Cartaxo de forma interessada e com visão crítica sobre os caminhos tomados e as opções que se vieram a revelar determinantes para chegarmos até aqui. E mesmo tendo partido não me aparto do desejo genuíno de ver a minha terra poder evoluir e sair desta letargia em que se encontra. Interessam-me acima de tudo as pessoas. E os meus melhores amigos vivem ou mantém-se de alguma forma ligados ao Cartaxo. E naturalmente desejo que possam ter a melhor qualidade de vida e perspetivas de futuro.

De futuro falam agora todos os candidatos às eleições que se avizinham. E a tónica assenta numa realidade indesmentível, a situação difícil em que vive, hoje em dia, esta terra que, em tempos, era vibrante e atrativa e está a experienciar tempos de desânimo e preocupante perda de identidade.

Mais do que discutir o que nos trouxe até aqui, cumpre interpretar o que de menos bom sucedeu na gestão pública da autarquia, de modo a não repetir os erros grosseiros que vão marcar as gerações vindouras. E se as finanças enfrentam as provações incontornáveis de uma dívida de 64 milhões de euros!!, nunca como agora urge usar de bom senso, união de propósitos e acima de tudo clarividência na interpretação das múltiplas realidades que se cruzam nesta complexa tarefa de bem gerir os destinos coletivos.

Muito mudou nos últimos anos e não só no Cartaxo, mas no País e no mundo.

O tempo das indústrias metalomecânicas e de distribuição de vinho terminaram, assim como a das unidades de montagem automóvel que existiram no vizinho concelho da Azambuja. A construção civil desacelerou vertiginosamente, arrastando consigo as fornecedoras de materiais. A pecuária viu-se apertada pelo esmagamento dos preços levando à inviabilização de muita da produção de pequena escala. As anteriores ocupações perderam espaço e o Cartaxo não soube interpretar os muitos sinais de mudança e criar planos alternativos. Mesmo a antes famosa vida noturna sucumbiu à mudança de hábitos das novas gerações e o recente fecho da icónica Horta da Fonte tornou-se inevitável.

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Os tempos são outros e as mudanças no mercado de trabalho demonstram-no. Grande parte da oferta está ligada às novas tecnologias com base informática. As novas start-ups integram jovens formados em engenharias nestas áreas e fomentam a evolução do marketing e as novas abordagens ao mercado e à captação de clientes cada vez mais informados e exigentes. O paradigma está na tecnologia e na especialização e o Cartaxo adormeceu intimamente ligado aos sectores primário e secundário, cada vez mais dominados por grandes grupos, tendo criado um gap económico e produtivo que só com muito esforço e criatividade poderá ser atenuado. Este desfasamento tem de ser entendido na sua complexidade para poderem ser geradas soluções viáveis e sustentáveis no tempo. O Cartaxo tem de ter um plano, traçar objetivos e trabalhar para os mesmos. Deixar de reagir para começar a agir, focando-se numa missão.

Entendo assim que muito mais do que atender a promessas políticas, cabe reunir todos os que queiram, possam e saibam, de diversas áreas profissionais, para repensar o Cartaxo e os caminhos que quer abraçar.

A política não tem gerado competência suficiente para mudar o rumo dos acontecimentos, tendo gerado sim uma perda notória de capacidade financeira sem que se vislumbre obra que o justifique. A solução está na sociedade civil e na congregação de vontades de pessoas de várias áreas, sem ligações a partidos e independentes intelectual e financeiramente dos mesmos. Urge criar um think-tank de cidadãos que amem o Cartaxo e o queiram ajudar a entrar no novo milénio, algo que infelizmente ainda não aconteceu. E até existem alguns exemplos do que cabe fazer. A Adega cooperativa especializou-se e capacitou-se para criar vinhos de excelência, demarcando-se dos velhos mitos de meados do século passado em que bastava ser “cheio”. Soube perceber que os novos mercados mundiais exigem qualidade e diferenciação e que esse é o caminho quando a capacidade produtiva é pequena.

Esta perceção do mundo atual e de como muda e evolui é determinante para que se possa almejar ter sucesso. E poder assim fixar pessoas na sua terra, oferecendo oportunidades de trabalho com mais qualidade de vida, sem obrigar a deslocações onerosas e que consomem tempo demasiado e retiram vida e fulgor ao quotidiano cartaxeiro, asfixiando o comércio local e as suas hipóteses de sobrevivência. O espectro de ser apenas mais um dormitório da grande Lisboa assola cidades como Santarém e Entroncamento, esvaziando-se pelas linhas dos comboios que levam mais do que trazem. Fugir a este destino é imperioso e o Cartaxo tem de saber reencontra-se com a sua alma ribatejana e saber lutar por um futuro melhor. Melhorando o que tem, Valada como ícone e criando novos investimentos alicerçados no eixo rodoviário principal que atravessa o concelho. Mas é preciso ir mais longe. Porque não criar um polo universitário especializado, a exemplo do que Rio Maior fez com o desporto? Investir no turismo local com o centro em Valada e o rio Tejo como canal primordial da atração dos desportos náuticos? E em seu redor criar uma rede de oferta de produtos e serviços com a marca Cartaxo? Tanto pode ser feito. O investimento tem de ser privado pois é nesse que reside a energia dinâmica da economia. Mas a autarquia tem de ter um plano forte e facilitador que seja atrativo para quem analisa o potencial da sua aposta.

O futuro constrói-se hoje, todos os dias. E serão as opções tomadas ou a falta delas que irão determinar se o Cartaxo quer sair deste ciclo negativo ou se se irá entregar em definitivo a este triste destino de empobrecimento e desertificação.

Eu acredito que é possível melhorar e evoluir. Desejo-o e alimento a esperança de voltar a ver e a sentir a vibração de outrora nas ruas dessa terra com nome de ave mas que insiste em não voar!

Congregue-se o melhor espírito dos forcados e use-se essa energia inquebrantável e essa união férrea para lutar por um futuro melhor para todos os que acreditam na terra que amam.

Isuvol
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