Opinião de João Fróis
O pequeno enclave espanhol em território marroquino voltou às primeiras páginas noticiosas, trazendo novas imagens de migrantes a tentarem alcançar a Europa. Porquê agora? Uma vez mais cabe olhar para trás para entender o presente.
Para Portugal Ceuta entra na nossa história em 1415 com a sua tomada pelas tropas de D. João I, dando início à era dos Descobrimentos e à expansão ultramarina até à Ásia.
Na guerra da Restauração Ceuta fica sob domínio espanhol, fazendo ainda hoje parte de um xadrez político na região, com um outro enclave do outro lado do Mediterrâneo, Gibraltar, sob domínio britânico. Estes protetorados mostram ainda hoje os avanços e recuos que as convulsões políticas e militares europeias ditaram ao longo dos séculos. Estima-se que por trás deste fenómeno esteja um outro conflito latente entre Marrocos e o Saara Ocidental, território atribuído a Espanha na conferência do Congo em 1884. O recente asilo político de Madrid a Brahim Ghali, líder da frente Polisário, movimento de independência do Saara Ocidental nascido em 1973, gerou tensão com Rabat.
Esta tensão política tem andado adormecida, com o Saara Ocidental a ser reconhecido por cerca de 50 países, muito deles parte da União Africana. Mas a Marrocos não interessa perder o poder sobre a parte sul do seu território, uma vez que aí existem as maiores jazidas mundiais de fosfatos, matéria prima essencial para inúmeras aplicações, entre elas na agricultura e nas produções farmacêuticas.
Entretanto ouvimos os testemunhos dos, na sua maioria jovens, e muitos deles ainda menores, que tentam chegar a Espanha, com já duas mortes a lamentar. Falam de falta de oportunidades, de futuro e de muitas dificuldades no presente. Testemunhos que conhecemos de outras paragens, mesmo onde não existem conflitos latentes, e que trazem à luz as imensas tensões sociais e económicas sobre um mundo cada vez mais complexo e em stress populacional, de gestão de recursos e com o caos climático anunciado.
Uma vez a Europa surge como uma fortaleza, de onde ao longo dos séculos foi tomando, conquistando, disputando e gerindo territórios na imensa África e que não mostra agora saber e querer lidar com problemas decorrentes da sua influência naquele que foi sempre apelidando de terceiro mundo.
Muitos poderão afirmar que Ceuta será apenas mais um episódio de “assalto” à velha Europa, negando os sinais que estão por detrás do fenómeno. Um olhar mais atento mostra que o mediterrâneo, o Mare Nostrum da Roma antiga, é hoje uma fronteira tampão entre mundos opostos, onde as oportunidades e a sobrevivência assumem dimensões antagónicas. O futuro adivinha-se complexo e desafiante e as instituições mundiais serão postas à prova sem tréguas. Bem-vindo ao séc. XXI.
*Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.