Crónica de José Caria Luís
Em primeiro lugar, abaixo o despotismo e a carnificina perpetrada por um Putiniano fanático e carniceiro. Agora, vamos aos temas.
Tendo em conta as atrocidades linguísticas e, logo, patrimoniais que nos nossos dias vamos escutando pelas TVs cá do burgo, quase me apetece fugir para a terra, voltando aos anos 50 e 60. Sim. Ainda que o propósito das crónicas que escrevi relativamente aos dizeres, aos falares do pessoal dos meus tempos de rapaz, tenha sido o de fazer um pouco de estorial e, ao mesmo tempo, dispor bem. Nada que se assemelhe ao disparatado linguajar nos dias que correm na nossa (?) comunicação social. Como exemplo, entre as nossas gentes, tínhamos: “acender um forfe”; “o trongo do rapaz, que salgou a selada, boeu demais, caiu desimparadoe ficou todo desinocado”; “o vento já está a amoinar, mas vem aí uma carga d’áuga…”; “as caminhadas para Asseiceira assavam-me as brilhas todas.” “A deslimbida da vizinha dá quinéu de tudo.” Mas tudo ficava entre nós, a nível concelhio, até porque as nossas migrações entre as décadas de 40 e 70 eram mais visíveis no pessoal da construção civil quando rumava às obras em Lisboa. Mas aqui, na capital, as origens dos operários que lá afluíam eram tais que, às tantas, mais que uma algaraviada, aquilo já parecia uma Torre de Babel. Por isso mesmo, nós, os do concelho, além de não ganharmos nem um tostão com o emprego da nossa linguagem, e porque não tínhamos acesso à Rádio nem a uma TV que mal havia, também não a impingíamos aos demais, contrariamente ao que hoje se passa nos meios de comunicação, de gente que deveria ser mais conhecedora e responsável.
Eu costumo dizer que, a alguns desses cromos da tela, melhor assentaria uns quilitos de tijolos às costas e uma picareta nas unhas. E agora, que há tanta falta de gente nas obras… era mesmo a hora.
A cada passo, seja em modo de rodapé ou de voz, é frequente ler e ouvir atoardas que nos deixam boquiabertos: desde os mortos ou matados – e vice-versa -, aos tempos do verbo haver, em que o houve e o houveram são (mau) exemplo, levantar a moral, em vez de o moral, o interviu, em vez de interveio, tudo serve para emoldurar os chorrilhos de asneiras que de lá emanam.
A somar a tudo isso, vêm as frases idiomáticas (há quem lhes chame idiotíssimas) dos comentadores da futebolada a dar uma grande ajuda para compor o ramo. Não serão erros de palmatória, mas que são abusivos, lá isso são. Se não, vejamos: correr atrás do prejuízo – sair o tiro pela culatra – ver a luz ao fundo do túnel – pôr toda a carne no assador – levar a água ao moinho – dar a volta ao texto – dar água pela barba – virar o bico ao prego – a meio-gás – fazer o gosto ao dedo – ir com sede ao pote – tirar o pão da boca –um balão de oxigénio – de armas e bagagem – entregar o ouro ao bandido – e mais, muitas mais, que ficam para uma próxima.
Há palavras que, através da boca de certos deuses idolatrados, fizeram estória. Quando o Henrique Mendes, num espetáculo televisivo, deixou de dizer faça o favor, e passou a usar o faça obséquio, quase toda a gente anuiu e copiou. Se era moda, pegava-se na moda. Mas, também, o advérbio aliás, emanado de lá, passou a ser moda em terras do Cartaxo. Tanto assim era que, sendo esta vila ribatejana terra de touros, toureiros, campinos e abegões, essa palavra do aliás depressa se traduziu em aliastra, que era o que se ordenava aos bois quando se pretendia que os ditos levantassem a pata.
Enfim, uma tristeza.
*Artigo publicado na edição de março do Jornal de Cá.