“Cumpri com a palavra que dei à Câmara”

Manuel Marques dono do terreno do Campo das Pratas. Garante já não acreditar em ninguém e só quer que lhe paguem o que lhe devem
Manuel Marques, o proprietário do terreno onde está implantado o Campo das Pratas “casa” do Sport Lisboa e Cartaxo, chegou ao limite da paciência, depois de ter deixado de receber rendas e de não terem sido satisfeitas as promessas feitas pelo antigo presidente da Câmara, Paulo Caldas. Pessoa frontal, simpático e afável, Manuel Marques acedeu conversar com o Jornal de Cá sobre este diferendo que dura quase há cinquenta anos, pois as relações com os responsáveis do clube, salvo alguns períodos de exceção, nunca foram as melhores.
Alguma vez pensou chegar a este ponto?
Nunca! Comprei esta propriedade há 51 anos. Mas nunca pensei que isto viesse a acontecer-me.
Como é que deixou fazer aqui o campo da bola?
Já existia. Senão nunca estava aí. Eu nessa altura recebia 70 escudos de renda por mês. E deixei ficar. Não me tirava a fome de casa, deixei. Esteve assim uns trinta anos ou mais.
E dava-se bem com os inquilinos?
Eles andavam à volta de mim para alargar o campo. Mas há outros problemas antes daqui chegar. A escritura que havia era com os empregados do comércio, era um senhor que era o Lino, era um Torres, era um que tinha lá em baixo uma sapataria, na rua Batalhoz, que agora não me recordo o nome. Começou mal porque havia uma reserva de oito metros de frente e dez de fundo, que tinha o direito de fazer lá um prédio, onde hoje existem as cabinas. Eu ainda tentei lá fazer o prédio, mas não me deixaram e pouco tempo depois levantaram lá eles a cabine
E o senhor o que fez?
Eu meti um advogado, mas isto é assim, eram advogados só para levar dinheiro, andei ali enrolado e não foi capaz de resolver nada.
E a seguir?
Bem, a seguir, um dia agrediram aí uns árbitros e o clube foi castigado. Passado uns tempos já podiam jogar mas tinham que levantar uma rede. No final quem foi castigado não foi o clube, fui eu.
O que aconteceu?
Bem, naquela época eles faziam ali o canto, mesmo junto à minha serventia e eles para vedarem aquilo tinham que me ocupar a serventia. Mais uma vez arranjei um advogado e não consegui nada. Puseram a rede e um portão e eu, quando queria passar era obrigado a esperar. Muitas vezes fiquei à conversa com um amigo, no centro do Cartaxo, a fazer horas para que acabasse o jogo. Outras vezes estava aqui em casa e tinha necessidade de sair e ia ali chamar, e chamava, chamava, chamava e ninguém vinha abrir o portão. Chegaram-me a dizer, ‘olha, voa’. Por isso eu estou muito saturado.
A renda já estava atualizada?
Não, aí ainda não estava atualizada. Mais tarde, com uma rapaziada que estava lá e que era conscienciosa, um era esse senhor que é o Pina, que tem lá em baixo a Ourivesaria, e chegámos a um acordo que era eu autorizar a fazer o muro, como está, e aumentavam-me a renda para 25 contos. Eu queria 30 mas acabou por ficar nos 25. E manteve-se sempre nos 25 contos. Com uns aumentozecos que houve, ultimamente estava na casa dos 180 euros.
Como é que o contrato passou para a Câmara?
Foi da seguinte maneira. O Clube queria ter campo de graça. E eu disse: vocês podem ter o campo de graça se a câmara me autorizar a urbanização deste terreno. Aquilo ficou tudo em alvoroço. E então ele prometeu-me.
Quem? O presidente da Câmara?
Sim, o Caldas.
Sabe que o presidente da Câmara não tem poderes para urbanizar um terreno?
Hoje sei, na altura não. Agora ele prometeu-me, não fui eu que lhe pedi. Ele ainda me disse, através do meu advogado, que quando viesse o PDM ia tentar que a minha propriedade fosse incluída no PDM. Na altura havia aquele entusiasmo que vinha o aeroporto para a Ota e ele ainda disse ‘Oh senhor Manuel, eu o todo não lhe prometo, mas a metade prometo’. E eu disse-lhe: Mas eu quero todo. Ou a propriedade é toda metida dentro do PDM ou nada feito. No entanto, as cedências obrigatórias que tenho que dar por aí fora, para parques e essas coisas assim, é o campo da bola. Eu entrego-lhe o campo da bola. Mas só ao fim da urbanização estar autorizada. Só a partir daí é que o campo é vosso.
E nessa altura pagavam-lhe a renda?
A partir daí o contrato passou para a Câmara. Foi o meu advogado que exigiu que passasse para a Câmara.
Várias pessoas já referiram que o senhor é uma pessoa aberta ao diálogo.
É sempre. Só agora a partir deste último problema, de não me pagarem, é que eu pus os pés à parede. Antes eu estava sempre por tudo. Agora, a indemnização não veio, o PDM não veio, a renda não veio, há dois anos e quatro meses que não pagam renda…
E ninguém lhe deu uma satisfação?
Nada, nem uma palavra.
Mas o atual presidente não tem falado consigo?
Já cá veio. E eu disse-lhe: sim resolvemos tudo, ao fim de me pagarem o que me devem. Se me pagarem está tudo resolvido.
O senhor não se incomoda que digam que deixa o clube da terra numa situação tão dificil?
Eu tenho pena. Tenho pena se as pessoas pensarem assim. Não posso é fazer nada. Não me posso estar a prejudicar a mim, para os favorecer a eles. Porque é a tal coisa. Eu não posso confiar em ninguém, porque todos os que por aí passaram fizeram mil e uma promessas e ninguém cumpriu. Não posso fazer mais nada. Só no fim de me pagarem.
Pagarem o quê, as rendas em atraso?
Não, as rendas em atraso e a indemnização. Senão não chegamos a lado nenhum. Eu para comprar esta propriedade suei muito, lágrimas e sangue. Andei onze anos emigrado a trabalhar de empreitada, com uma motosserra na mão que pesava quase dez quilos. De inverno trabalhava debaixo de neve com temperaturas negativas. Foi com o dinheiro que ganhei como emigrante que comprei este terreno, não foi na política nem a dar pontapés numa bola.
Portanto, está tranquilo com a justiça da sua posição?
Claro que estou. Eu nunca ocupei a casa ou a propriedade de ninguém. Cumpri com a palavra que dei à Câmara. Estou à espera que a Câmara cumpra com a sua e pague o que me deve e me devolva o que é meu.
Sabe que a Câmara pensa avançar com um processo de expropriação, invocando a utilidade pública do terreno?
Eles que façam o que entenderem. Depois vamos para aquilo que a lei entender dar. A lei é que vai decidir. A minha preocupação é ser honesto e honrado e cumprir com os meus deveres, coisa que os outros não têm feito.
Isuvol
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