Da cerca do convento à Praça 15 de Dezembro

Memórias do Cartaxo, por Telmo Monteiro

O facto de ter existido no Cartaxo um convento, cujos terrenos em redor eram sua pertença, moldou para sempre a configuração da vila, privilegiada por ter ali um espaço amplo, sem edificações. Num período de grande desenvolvimento, a vida da comunidade passou a fazer-se à volta desse novo centro, onde um espaço arborizado podia embelezar a vila e onde o novo edifício da Câmara Municipal foi erguido.

No espólio de plantas arquitetónicas do Mestre de Obras Júlio Augusto Marques, encontramos inúmeras informações acerca da história do concelho do Cartaxo, sendo uma grande parte da sua autoria, mas onde também constam muitas plantas que por uma outra razão estavam em sua pertença, algumas delas muito anteriores à data do seu nascimento em 1880.

A mais importante das plantas que foram encontradas no espólio data de 1860, e nela surge representado o Convento do Espírito Santo. Ao que se sabe, esta é a única representação gráfica do edifício, à data prestes a ser demolido e onde é possível verificar a sua configuração e a possível existência de um claustro.

Esta planta apresenta precisamente o plano de demolição do convento, onde se encontra a inscrição “convento a demolir” e ligeiramente atrás, uma outra representação gráfica com a inscrição “local para o novo Edifício da Camª Mªl”. Do lado direito de ambos, surge um outro retângulo com linhas descontínuas, no qual somos informados que se pretendia erguer ali uma nova igreja.

Nesta planta estão ainda representados o cemitério, localizado onde hoje existe o tribunal, e já se projetava uma “rua para comunicar com o mercado”.

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Esta informação mostra que na época já funcionava um mercado, sensivelmente no local onde em 1947 seria inaugurado o edifício do Mercado Municipal hoje existente.

Outra planta importante para a história do Cartaxo data do ano seguinte, 1860, e está assinada por C. Valsassina. Na mesma já não consta a representação do convento, apenas o edifício da Câmara Municipal, aqui denominado “Caza da Câmara”, e que seria inaugurado no final da década, sendo já descrito o espaço à sua frente como “Praça”.

Esta planta terá sido desenhada essencialmente para fazer um estudo do terreno, uma vez que na mesma consta a informação de que a área do terreno pertencente à Câmara, outrora a Cerca do Convento, é de 45.940 metros quadrados. Nesta planta também é apresentada a linha de maior inclinação que atravessava o terreno.

Em 15 de Dezembro de 1867, o rei D. Luís confirmou a comarca do Cartaxo, facto que oportunamente serviu para definir o nome do local como Praça 15 de Dezembro. Numa gravura publicada na “A Ilustração Portugueza” de 1886, a qual será a primeira imagem do edifício da Câmara, podemos ver já diversas árvores plantadas em volta. Este edifício, além dos serviços de Administração do Concelho, também albergava o Tribunal da Comarca, escolas de ambos os sexos, conservatória do registo predial e uma cadeia. Esta imagem apresenta uma curiosidade: está assinada no lado esquerdo por M.M. e na capa da revista, consta o nome do cartaxeiro Marcelino Mesquita como um dos colaboradores da mesma. Terá sido o famoso dramaturgo, sem provas definitivas, o autor da referida imagem.

A última planta apresentada neste artigo, data de 1936, está assinada por Júlio Augusto Marques, e mostra um espaço mais amplo que as 2 anteriores, abrangendo também a Av. João de Deus.

Nela podemos vislumbrar um Cartaxo já mais desenvolvido e moderno, o centro da vila dominado pela Câmara Municipal de um lado e a Praça de Touros, inaugurada em 1874, do outro.

Esta planta foi desenhada para projetar a construção de uma nova rua (a atual rua Aida Cunha e Silva), que permitia ligar a Estrada Nacional que atravessava o Cartaxo, à Av. João de Deus.

Esta última tinha sido construída no início da década de 1920, e nesta planta podemos comprovar que se tratava de uma avenida moderna, com uma zona arborizada no meio das duas vias, o que lhe daria uma beleza especial. Referência para a expressão “Perna de Pau” aqui presente, a aludir para um hotel que existia no início do Estrada dos Eucaliptos.

Na área em volta dos Paços do Concelho encontramos já a configuração que chegaria até ao final do Século XX, com exceção para a estátua de homenagem a Marcelino Mesquita.

O Monumento aos Mortos da Grande Guerra, inaugurado em 1922, e o coreto, inaugurado em 1924, pontuavam o espaço em frente à Câmara, onde um lindo jardim orgulhava os cartaxeiros.

Na parte de trás, duas edificações ainda existentes: a Central Elétrica, inaugurada em 1929 e o simbólico “Lago dos Patos”. Junto ao edifício da Câmara encontravam-se umas casas de banho com o letreiro “Retretes Públicas”. (imagem em destaque)


Plantas do espólio de Júlio Augusto Marques, cedidas por Maria Eulália Marques

Gravura “A Ilustração Portugueza”, Lisboa, 19 de abril de 1886

Fotografia cedida por Francisco Sousa

 

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