Dâmaso Xavier dos Santos – Lavrador e liberal

Por Rogério Coito, historiador

Natural de Lisboa, casado e pai de três filhos, Dâmaso Xavier dos Santos Leite (1770–1844) veio para o Cartaxo onde montou um negócio, apaixonou-se pela terra e tornou-se lavrador e rendeiro de grandes propriedades agrícolas que iam dos campos de Valada até Almoster. Começou por criar gado bravo para ter ferro próprio que no dizer de “La Voz de la Afición” dos tempos de hoje, deu origem à casta vazqueño, gerando diferentes gados pelos cruzamentos sementais, tornando-se num importante ganadeiro da Península Ibérica. Conta-se que tinha um toiro que habituou a “comer à mesa”. No terraço dos Chavões tinha a mesa, o toiro subia a rampa para receber o seu mimo e depois voltava à manada.

Amigo de Garrett que lhe chamava a honra e alegria do Ribatejo, foi o primeiro presidente da Câmara Municipal depois do Cartaxo se emancipar de Santarém. Com o despoletar da guerra civil entre os partidários do absolutismo que tinham como cabeça do movimento D. Miguel e os do liberalismo como bandeira D. Pedro IV, tornou-se partidário acérrimo dos liberais que instalaram o seu quartel-general no Cartaxo. Os seus celeiros e adegas foram abertos à causa. Deu hospedagem ao marechal Saldanha e abasteceu as tropas em acampamento. Quando da batalha de Almoster a 18 de Fevereiro de 1834 foi um autêntico “general civil” tais eram os trilhos que calcorreava montado no seu cavalo indicando posições, o que lhe valeu depois a Ordem Militar de Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito e o título de Comendador.

Mas a sua grande generosidade, associada aos maus anos agrícolas e às complicações políticas conduziram-no à ruína financeira. Doente do coração, o Marquês de Niza de quem era amigo, levou-o para repousar na sua Quinta da Foz em Benavente, mas o seu estado piorava cada dia. Pediu então que o levassem aos Chavões para da varanda do terraço olhar a lezíria. Os campinos souberam e no dia da sua visita trouxeram gados de muitos lados que desfilaram por debaixo da varanda bamboleando os chocalhos numa autêntica sinfonia de despedida. Pela primeira vez as lágrimas toldaram-lhe os olhos. Voltou à Quinta da Foz, mas o seu coração já fraco, não aguentou. Trouxeram o seu corpo para o cemitério do Cartaxo e no epitáfio escreveram a memória de um fidalgo e cavalheiro. Mas no imaginário popular ficou para sempre a lembrança de alguém que entrou na política e ficou arruinado, mas que foi fiel aos seus ideais até ao fim.


Rogério Coito escreve de acordo com a antiga ortografia

Isuvol
Pode gostar também