Em Agosto, dá gosto ver algumas dessas cicatrizes abdominais, símbolo primeiro da nossa autonomia, quando dizemos adeus ao útero materno. São lindos, principalmente num corpo de barriguinha plana e com o resto a condizer. Mas, se não houver mais nada para dizer do que mostrar os piercings, tatuagens, falar de apps e de caça aos pokémons (uma espécie gambozinos, capazes de render muito dinheiro aos seus criadores…), então que me desculpem as bonitinhas e os bonitinhos, mas ter pensamento próprio e estruturado é fundamental. E também tem a sua dose de sex appeal…
Provavelmente, serei um daqueles ruins espectadores que só vêem urtigas onde crescem flores, de que falava o poeta António Botto. Porém, quando vejo tantas pessoas tão embrenhadas nas redes sociais, a fazerem comentários e julgamentos tão apressados — que mais se assemelham a ejaculações precoces — fico cada vez mais convencido que ter tanta e tão torrencial informação, como a dos dias de hoje, não cria mais conhecimento, nem fomenta um verdadeiro espírito comunitário.
Prevalece a fuga à realidade, a superficialidade de análise, o egocentrismo, o imediatismo, a obsessão pela imagem e pelo espectáculo… Por exemplo, já repararam que, actualmente, boa parte das pessoas utiliza “espectacular” e “fantástico” para qualificar quase tudo (o fogo-de-artifício, o concerto, o(a) namorado(a), o atentado, o sismo, etc, etc.) como se na língua portuguesa não existissem muitos outros adjectivos mais apropriados para cada situação em causa?
Outro aspecto que me faz alguma impressão, é o da desresponsabilização da sociedade, das famílias, das pessoas. Queremos o Estado para nos garantir a defesa e segurança, a justiça, a saúde, a educação, a regulação da economia, etc. Talvez não precisemos que as autoridades nos venham dizer que devemos beber água se está calor, agasalhar se está frio, ter cuidado a atravessar a rua… se andarmos à caça de pokémons! Não estará implícita nestas atitudes uma certa “infantilização” dos adultos e uma desresponsabilização da sociedade?
Dado que os recursos disponíveis são sempre limitados, não correremos, assim, o risco de estar a desviar alguns do essencial para o acessório?
Mas, mais importante do que isso, importará reflectir sobre as consequências para a democracia de uma sociedade que idolatra demasiado os umbigos, se habitua a protestar, mas não se envolve o bastante na compreensão e na resolução dos problemas concretos. E o que temos visto pela Europa (mas não só) é o surgimento de impasses na governação e o enfraquecimento dos regimes democráticos, com forças radicais e populistas em ascensão.
A par das reivindicações legítimas e do exercício das liberdades democráticas, seria certamente salutar pensarmos, também, que as comunidades onde nos inserimos e o país merecem, pelo menos, um pouco do nosso tempo e atenção. Os umbigos que mostramos no Verão podem ser interessantes, lindos até. Porém, os que exibimos durante todo o ano acabam por tornar-se enjoativos.
Pela milésima vez, valerá a pena citar uma conhecida frase de John Kennedy, um dos mais jovens e carismáticos presidentes dos EUA (de 1961 a 1963): “…Por isso, meus compatriotas, não perguntem o que o vosso país pode fazer por vocês — mas o que vocês podem fazer pelo vosso país.” (Discurso de posse, no Capitólio, Washington, em 20 de Janeiro de 1961)
* O autor não adota a ortografia vigente