“Demagogia feita à maneira é como queijo numa ratoeira” – assim diz o refrão da canção de Lena d’Água, lançada em 1982. Uma canção cuja letra continua, infelizmente, tão atual nos dias de hoje. Mas o conceito de demagogia não é recente. Na Grécia Antiga, onde a democracia nasceu, eram apelidados de demagogos aqueles que lideravam, ou conduziam, o povo. Inicialmente, o termo não carregava consigo qualquer sentido pejorativo, mas paulatinamente viria a ter a conotação que conhecemos hoje – uma forma de fazer política através do uso de uma retórica apelativa à massa popular, manipulando-a ou agradando-a, com o objetivo último de se conquistar o poder ou qualquer vantagem política. Esta nova conotação tomou forma nas teses de filósofos como Aristóteles, que entendia a demagogia como a degeneração do regime democrático, e Platão, que, mais radical, assumia que a democracia não era o sistema que melhor servia os interesses do povo, devido à atuação dos demagogos.
Longe de ser perfeita, a verdade é que a democracia é o sistema que melhor serve os cidadãos enquanto seres livres e autodeterminados, onde todos participam de igual forma nessa construção cívica e elegem, entre si, aqueles que considerem reunir as condições para governar o seu destino coletivo. Os demagogos aproveitam-se das fraquezas do sistema, pelo que cabe a nós, cidadãos, sermos esclarecidos para conseguirmos identificá-los e procedermos a escolhas mais conscientes. Uma tarefa que nem sempre é fácil.
O demagogo utiliza vários métodos para aproveitar a ignorância do povo e convertê-la em apoio à sua causa. O mais conhecido é, evidentemente, a mentira. Na política séria, um político critica os seus oponentes com base nas linhas programáticas por eles defendida ou na atuação destes no poder, apontando caminhos diferentes que o distinga. O demagogo pratica o inverso: os seus discursos são calculados, encobrindo, total ou em parte, a realidade dos factos e as adversidades que podem surgir no futuro. O discurso do demagogo, especialmente quando está no poder, é caraterizado por uma sucessão de meias-verdades, que alimenta a máquina propagandística, numa intenção deliberada de validar os seus atos e omitir os pontos negativos da sua governação.
Quando discursa para uma audiência, o demagogo procura apelar à emotividade daqueles que o escutam, utilizando duas técnicas infalíveis: a história de vida e a lamúria. Todos os demagogos capitalizam cada momento da sua vida pessoal para que o eleitorado se identifique com ele, mesmo os mais insólitos e que em nada contribuem para que o eleitor seja esclarecido sobre as suas competências e ideias. E, não raras as vezes, assistimos ao demagogo a lamentar-se, vestindo a pele de cordeiro, das palavras proferidas por algum adversário ou das críticas duras que lhe são dirigidas, mesmo quando estas têm fundamento.
A verdade é que nenhum demagogo gosta da crítica, pela simples razão que esta esbarra contra a sua estratégia, colocando-a em causa. Afinal, a crítica, quando é construtiva, revela o que o demagogo omite deliberadamente no seu discurso. A crítica construtiva pretende, sobretudo, esclarecer o eleitorado quanto a determinada situação, denunciar alguma irregularidade na esperança que seja corrigida, modificar a atuação dos eleitos para atenderem melhor às necessidades da população ou sugerir alternativas. Mas o demagogo evita a todo o custo as críticas que lhe são dirigidas. Se a crítica for feita pessoalmente, o demagogo desculpa-se com qualquer justificação aparentemente válida ou corta a conversa com alguma frase cliché, como “estamos a tratar desse assunto”, “em breve, estará resolvido”, “neste momento, há coisas mais importantes para resolver”, etc.
Porém, no fundo, a situação alvo de crítica não é resolvida. Só que, nos dias de hoje, as redes sociais tornam mais difícil controlar o descontentamento e as críticas à ineficiência da atuação dos eleitos. Excluindo a argumentação ad hominem e o insulto barato, absolutamente condenáveis, a maioria das críticas que encontramos são, de facto, construtivas e providas de fundamento. Contudo, o demagogo e os seus apoiantes mais próximos não toleram a crítica, porque acreditam nas falácias que defendem, e procuram condicionar os críticos através de uma técnica medíocre: a intimidação.
A intimidação é uma forma de censura contemporânea. Alguns políticos, com laivos de despotismo, procuram defender as falácias em que acreditam a todo o custo, partindo, assim, para a intimidação do emissor da crítica por sentirem-se desconfortáveis com as suas palavras e a veracidade dos seus argumentos. Mas esta censura dos tempos modernos também está patente na instrumentalização da comunicação social de âmbito nacional, com o objetivo de manipular e influenciar a formação da opinião pública. Exemplos disso mesmo podem ser atestados na manipulação ou apresentação tendenciosa dos factos, na maioria dos comentadores num debate perfilharem a mesma ideologia política, na ausência de parte dos candidatos nos debates eleitorais, na diferenciação dos tempos de antena dedicados a cada força política nos espaços noticiosos, ou na política editorial submetida a interesses económicos, partidários ou pessoais. Apesar do Código de Ética ou da legislação aplicável, é notório que estes exemplos são cada vez mais recorrentes e ameaçam a vivência democrática.
Para além destes métodos, o demagogo utiliza outros métodos para enfraquecer a influência do adversário, especialmente quando se dirige a uma audiência menos informada: a ridicularização do oponente, a propaganda de ideias meramente populistas, a culpabilização em bodes expiatórios ou a disseminação do medo. Ainda assim, o método demagogo mais descarado, que todos já detetamos em determinado momento num político, é a propaganda de falsas promessas. O demagogo adora este tipo de promessas, que apenas enchem o seu programa e os ouvidos dos eleitores mais incautos durante a campanha, mas que não resultam em nenhuma ação concreta quando o demagogo alcança a vitória. Normalmente, são promessas vazias de conteúdo ou simplesmente impossíveis, que nem o próprio demagogo sabe como as irá concretizar. Ou promessas que, campanha após campanha, o demagogo repete e nunca passa do papel, por uma qualquer desculpa.
Sejam quais forem os métodos utilizados pelo demagogo, o seu objetivo último é alcançar o poder a qualquer custo. Por isso, não importa ao demagogo que o eleitor esteja devidamente esclarecido ou desenvolva o seu espírito crítico. Daí que o eleitor, confrontado com a demagogia de algum candidato, deva procurar sempre a verdade dos factos para escolher e agir em consciência. Porque a demagogia pode ser feita à maneira, mas só come o queijo quem quer…