Disciplina ou a falta dela

Crónica de José Caria Luís

Esta estória da disciplina será tão antiga como a falta dela: a indisciplina.

E se “violência gera violência”, e “quem semeia ventos colhe tempestades”, a indisciplina gera o quê? Pois foi mesmo pela indisciplina e pela falta de rigor e de observância das normas estabelecidas, que se deu uma tumultuosa tarde de desacatos em vez de um apetecível encontro de futebol.

Nos finais dos anos 70, era eu sócio do Sport Lisboa e Cartaxo, mas, estando ausente do país por motivos profissionais, não assisti a muitos jogos do clube, pelo que me vou valer das informações que obtive através das minhas fontes fidedignas de então ligadas ao clube, incluindo as de um interveniente direto na saga que se segue.

Em certo jogo, no Campo das Pratas, onde o SLC disputava um encontro relativo à fase final de apuramento de subida à 2.ª divisão nacional, contra um clube dos arredores de Lisboa, a equipa de arbitragem, não observando as normas de conduta e bom-senso que os regulamentos recomendam, começou o prélio a “jogar” pelos forasteiros. É claro que os adeptos da casa – que até percebiam de futebol – não aceitaram tal afronta, por isso encetaram um chorrilho de ruidosos protestos e ameaças tentando que o trio de preto vestido reconsiderasse e pautasse a sua conduta no sentido de não continuar a prejudicar o SLC, como estava acontecendo desde o apito inicial.

O jogo ia decorrendo, mas a paciência do público assistente começava a esgotar-se. Mas, pior foi quando, a certa altura, o homem do apito, em conluio com o bandeirinha, inventou uma grande penalidade contra o SLC, o que, segundo os credenciados observadores, era uma falácia, um autêntico roubo. Ao tempo que os adeptos da casa ameaçavam invadir o terreno de jogo e molhar a sopa no trio, os jogadores da casa obstruíam a zona da marca de penalti impedindo que o castigo fosse concretizado. De entre os jogadores amotinados e envolvidos nos tumultos, os que mais se indignaram e davam nas vistas eram o guardião Laurindo e o defesa direito Fernando Barrela. Este último, por indicação do liner, foi mesmo o primeiro a ser expulso do jogo. Esta cena decorria perto da linha lateral, onde estava a mãe do Barrela, a Beatriz do Chico do Zé-Mestre, mulher de armas que, desde há muito, trocava impropérios e gestos indecorosos com o tal liner, o tal que viria a ditar a exclusão do seu Fernando. Ao ver o seu filho ser expulso, a mulher do caldo verde e da sopa Juliana, galvanizada por uma tal veneta, saltou para o ring, deitou as mãos aos calções do bandeirinha e esfarrapou-lhe toda a farpela tendo-o deixado em pelota, em pleno campo. Mas as expulsões não se limitaram ao Fernando Barrela e ao Laurindo, já que mais de meia equipa fora excluída do jogo.

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Como rescaldo, ficou o Sport Lisboa e Cartaxo com o Campo das Pratas interditado por 10 jogos, baixou de divisão, teve que vedar o campo e viu alguns dos seus jogadores serem irradiados.

Agora, que tanto se discute disciplina, fair-play e favorecimento, digam lá como é que, com que armas, os quase anónimos jogadores do SLC podiam lutar contra tal gang do apito. Quem foram, então, os verdadeiros mentores da indisciplina?

*Artigo publicado na edição de março do Jornal de Cá.

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