Diz-me com quem andas

Por João Fróis

A recente escolha de um jovem licenciado em Direito, sem qualquer experiência profissional, para adjunto da ministra da presidência, Mariana Vieira da Silva, revela-se como mais um mau exemplo de um governo envolto em polémicas sucessivas.

À partida, escolher um jovem para um gabinete, parece algo positivo ao apostar na juventude e inovação. No entanto e atendendo à situação económica que vivemos, esta decisão carece de justificação técnica e até moral, sendo apenas e só, política.

Porque o jovem Tiago Cunha, vai auferir até ao 3º trimestre de 2026, 3730 euros brutos mensais, um valor inatingível para a maioria dos trabalhadores portugueses e ainda menos para os jovens licenciados que se lançam no mercado de trabalho. Assim temos um efeito pernicioso de uma decisão que mostra a milhares de jovens que mais que o trabalho e a abnegação na busca de uma carreira, são as escolhas, por razões diversas, que fazem verdadeiramente a diferença. E isso é lamentável pois induz a uma continuidade do favorecimento que andamos há dezenas de anos a criticar e tentar aplacar.

Pese embora a ministra afirme que a escolha foi dentro dos critérios legais e teve a ver com a adequação do perfil do nomeado às funções do gabinete, a verdade é que Tiago Cunha é filiado no partido socialista, participou em vários congressos, foi eleito em fevereiro deste ano como coordenador dos estudantes e da educação dos jovens socialistas europeus e nas eleições autárquicas de 2021 foi inscrito em 32ª lugar na lista do PS à assembleia municipal de Vila Nova de Gaia. Perante estes factos fica evidente que os critérios políticos estão na base da escolha e só assim justificam que alguém sem qualquer experiência entre num gabinete ministerial. O velho adágio “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és” tem aqui uma expressão inequívoca e volta a mostrar a face negra da política, beneficiando os alinhados partidários em detrimento dos demais.

Tudo isto acontece nuns primeiros meses de governação em maioria absoluta recheados de polémicas. Desde a famosa desautorização do ministro das infraestruturas no caso da TAP, à demissão da ministra da Saúde, Marta Temido, passando pelas falhas grosseiras na coordenação do combate aos devastadores incêndios, nomeadamente na serra da Estrela, com as diversas incompatibilidades entre ministros e secretários de estado e familiares e terminando, para já, na demissão de Miguel Alves, secretário de estado adjunto de António Costa, após as acusações de favorecimento aquando da sua presidência de Câmara em Caminha e investigação criminal por prevaricação num outro processo.

Num mundo imerso em problemas de toda a ordem, desde a odiosa guerra na Ucrânia, à crise climática, que uma vez mais vai a debate, desta vez no Egito, passando pela crise económica com inflação e juros galopantes e que já afeta milhões de pessoas, os governos deveriam ter particular cuidado com as suas decisões e a gestão das agendas e mais ainda com a comunicação das mesmas. O escrutínio nos dias de hoje é feito ao minuto, tudo se sabe em segundos e os efeitos virais ainda estão por dimensionar, percebendo-se, no entanto, que estão a modelar a opinião pública de formas complexas e perigosas, agarradas ao imediatismo e às devastadoras fake news, desvirtuando factos e criando falsas noções da realidade, mitificando crenças e meras opiniões. O exemplo do Brasil onde as campanhas são feitas em larga medida nas redes sociais e o dos EUA onde existem correntes ideológicas a roçar o fanatismo e sem qualquer suporte de evidências científicas, mostram o quão perigoso é escamotear o poder da comunicação e os efeitos dramáticos que podem ter na opinião pública.

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Neste caso particular acima mencionado, tudo correu mal nesta nomeação. Os critérios, ou a falta deles, para justificar a escolha, o timing político em que é feita e a habitual arrogância do poder que ultimamente faz por virar a página de tudo o que não lhe é favorável com um lamentável “caso encerrado”. Como se num passe de mágica os problemas ficassem assim resolvidos, a polémica apagada e as responsabilidades diluídas na espuma dos dias.

Em tempos de enormes dificuldades económicas, e que se irão agravar em 2023, em que o governo decidiu dar os famosos 125 euros aos contribuintes que auferem até 2700 euros brutos para supostamente ajudar quem mais carece, dar novamente este sinal de favorecimento a alguns em detrimento da maioria, é inaceitável. O que assistimos há largos anos são casos sem fim de decisões sem fundamento e que no limite expõem a falta de escrúpulos de quem tem o poder, esquecendo uma vez mais que esse poder lhes é apenas e só, confiado pelo povo.

Como lembrava o filósofo e escritor franco argelino Albert Camus, “a política é constituída por homens sem ideais e sem grandeza”. A realidade insiste em lhe dar razão.

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