“Coisas da Economia de cá e de lá”, por Renato Campos
Completam-se a 27 de Junho 34 anos que, pelo então Presidente da República, General Ramalho Eanes, foi inaugurado o actual edifício dos Paços do Concelho do Cartaxo. Como por vezes o tempo apaga a memória colectiva, potenciando algum desconhecimento dos factos que marcaram a história recente deste concelho, julgo de interesse, sobretudo para os mais jovens, dar a conhecer a génese do processo de construção do novo edifício.
Tudo começou às primeiras horas de 4 de Dezembro de 1970 e os cartaxeiros mais antigos jamais o vão esquecer. As sirenes alertavam para uma situação dramática: estava a arder com enorme intensidade o Edifício dos Paços do Concelho! Nesse edifício centenário que marcou gerações, funcionavam para além dos serviços camarários, o Tribunal, as Finanças e Tesouraria, uma prisão (?) e duas salas de aula da instrução primária. Era, portanto um edifício polivalente, já muito acanhado para a época face aos serviços públicos que albergava. Quais as causas do incêndio? Para além de alguns alvitres populares, o certo é que nunca se chegou a saber. Quase 12 anos depois, durante o meu segundo mandato na presidência do município, tive a honra e o privilégio de assistir à reposição do novo edifício da “Domus Municipallis”, património e símbolo da democracia local.
No entanto, durante esses 12 anos, nem tudo foi simples e fácil de concretizar. Com a dinamização depois de 1974 dos serviços municipais, com novas e mais complexas atribuições e competências para os municípios, especialmente depois de 1977, era evidente que as instalações provisórias da Câmara num prédio cedido a título de empréstimo – em simultâneo em outros organismos – eram manifestamente exíguas e nada funcionais. Impunha-se pois, a necessidade da concretização de um novo edifício municipal, já que, entretanto, também o Tribunal tinha as suas instalações próprias.
Logo a seguir ao incêndio, os sucessivos Presidentes da Câmara Municipal, diligenciaram, possibilitar a construção de um novo edifício. Em primeiro lugar, foi considerada a hipótese da reconstrução do antigo edifício, tendo sido para isso, efectuados rigorosos ensaios e pedido pareceres ao LNEC sobre a viabilidade de tal solução. Todos os pareceres foram negativos, salientando o facto do que restava das paredes não possuir a resistência necessária, já que eram construídas numa massa argilosa muito utilizada à época. Face a esse parecer, e para desgosto de muitos, foi pelo executivo, em 1973, optado pela construção de um novo edifício de raiz. Para elaborar o projecto, foi escolhido o Arq. João Simões, técnico conceituado já tinha sido o autor do Mercado Municipal e de outros imóveis de referência no Cartaxo.
Recorda-se que até 1979 – ano em que as autarquias passaram a ter autonomia financeira-, as obras municipais tinham que ser, previamente, aprovadas, e comparticipadas pelo Ministério das Obras Públicas. Lamentavelmente o projecto inicial, ainda sem a torre, foi sendo sucessivamente reprovado pelo MOP, por ser considerado “ ambicioso para edifício municipal”! De emenda em emenda, chegou-se a 1974 sem o projecto aprovado, cada vez mais “rasurado” mas, devido a uma inflação na ordem dos 28%, cada vez também mais caro!
Era esta a situação em 1977, quando tomou posse o primeiro executivo municipal eleito em democracia. Então, para que se pudesse, mais facilmente, apreciar e emitir uma opinião, foi deliberado mandar executar uma maquete do projecto. Assim se fez, e na Feira dos Santos desse ano, a maquete foi exposta e pedida a opinião à população, já que a obra deveria merecer um consenso colectivo.
Talvez tenha sido o primeiro referendo (não formal) realizado no país! Na apreciação final, curiosamente, muitas opiniões “diziam que gostavam mas… faltava lá a torre e o relógio!”. Ficamos surpreendidos, mas percebemos que como o edifício antigo tinha uma torre com relógio, então essa era a principal recordação afectiva que marcava gerações e que deveria ser mantida. Claro que não foi fácil ao arquitecto “engolir” incluir no edifício de uma câmara, uma torre, já que isso lhe parecia mais de igreja! Mas, ao fim e ao cabo, a torre e o relógio lá apareceram no projecto da futura Câmara Municipal que, apesar de hoje por vezes surgirem algumas críticas negativas, ele tem a legitimidade de ter merecido a aprovação prévia da população.
Como a partir de 1979, a legislação já atribuía ao município o custo integral da obra, não se esperou mais. Em 25 de Abril desse ano, num acto simples mas muito emotivo, foi colocada a sua “primeira pedra” e, um mês depois, começou a construção. Entretanto, a meio da obra, surgiu outra alteração na fachada. Pretendia-se legar através do edifício municipal, uma obra de arte que perdurasse e atravessasse gerações. Então, as várias portas de vidro projectadas para a fachada foram substituídas por um Painel Cerâmico que retractasse as actividades do concelho e a sua origem. Por indicação do autor do projecto, foi convidado o Mestre Querubim Lapa, um dos mais conceituados ceramistas portugueses, que soube interpretar o que se pretendia, tendo posteriormente essa obra merecido os maiores elogios da critica e muito referenciada em publicações.
Dependendo e limitada pela capacidade financeira da Câmara, a construção lá foi avançando, como muito controlo sobre os custos, tendo no final custado cerca de 55 mil contos com equipamentos incluídos, valor considerado à época muito bom. O edifício foi entregue ao município em abril de 1982. Depois, foi equipado e posto a funcionar experimentalmente. Em 27 de Junho foi inaugurado pelo Senhor Presidente da República, com a presença entusiasta da população e das colectividades do concelho, que compareceram em massa para apadrinharem o seu novo “Domus Municipallis”, edifício moderno, funcional e bem enquadrado no centenário e bonito jardim, onde o ancestral “coreto” simbolizava a longa história de um local e a memória colectiva de várias gerações.