Do Cartaxo, eu, pois claro. “Não há terra como o Cartaxo, não há, no coração do Ribatejo…”E temos festejos, hábitos e tradições, rostos conhecidos que se cruzam. Uns ficam e outros voltam. Há quem não volte. O mundo alarga-se mas fica sempre um afecto especial pelo lugar em que nascemos, em que aprendemos a falar, em que fizemos os primeiros amigos. O ser humano é um ser de espaços.
Se me perguntarem hoje donde sou (dependendo do contexto) posso responder que sou da terra, do mundo, deste maltratado planeta. Ah, mas sei falar “à moda do Cartaxo” e dançar o fandango.
Vem esta conversa a propósito do Dia do Refugiado, assinalado a 20 de Junho. Guterres e Angelina Jolie visitaram um campo de refugiados na Turquia, vários jornais mostraram, com mapas, que nunca houve tantas pessoas a deixar, obrigados, sob o medo e com risco de vida, as suas terras, os seus países. É a fome, a extrema pobreza, a guerra, o mar que vai alagando campos e casas (como acontece no Sri Lanka). Atravessam o Mediterrâneo – e outros mares – para morrer em costas europeias, vivem em alojamentos precários, sem esperança, sem saber o que vai ser o futuro. A Europa acolhe-os mal. Já depois da queda do muro de Berlim, constroem-se muros sem fim (entre o México e os EUA, entre Israel e a Palestina, arame farpado em Melilla, o mar a ser o muro mais difícil de transpor).
E que dizemos nós face a estas novas realidades? Milhares chegam, semana após semana, a costas do sul da Europa. E a Europa? Pois está centrada na dívida da Grécia aos bancos. Quando aprofundamos a situação da Líbia, da Síria, da Somália ou de qualquer outro país em guerra, vemos que a Europa e os EUA têm a sua parte de responsabilidade na História, sempre, como é natural. Somos (o hemisfério norte) o mais rico e o mais desenvolvido da terra. Grandes companhias industriais exploram as riquezas naturais dos países pobres.
Mais de 60 milhões de pessoas não têm direito à sua terra. Disse Guterres, actual Alto Comissário para os refugiados (ACNUR) que as organizações internacionais já não são capazes de responder. Precisam dos governos. E estes… calam-se, fecham-se protegem-se. De quê? Do mundo. Das pessoas. Dos pobres e dos aflitos.
E depois não venham dizer que são crentes. Acreditam em quê ou em quem? Não há responsabilidade humana no mundo que criámos e em que vivemos?
Sou do Cartaxo, mas isso não me liberta de me sentir uma pessoa entre muitas outras e de considerar que os refugiados têm que ser tratados com respeito e com dignidade. Quando os perdemos, somos nós que nos perdemos.